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Próxima Parada: Paris 2024

Em 1924, Paris mudou Olimpíada e viu estrear 1° atleta negro do Brasil

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O anúncio feito em Lima oficializando Paris como sede dos Jogos Olímpicos de 2024 foi recebido com grande festa. Não só porque a capital francesa preparava sua candidatura desde 1997, mas também porque isso significava a volta da tocha olímpica após cem anos à cidade-berço dos Jogos Olímpicos da era moderna.

Imagem mostra a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, em 1924, no estádio de Colombes.
Imagem mostra a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, em 1924, no estádio de Colombes. AP
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Cristiane Capuchinho, da RFI

Quando se fala em Olimpíada, a relação que se faz é diretamente com a Grécia, Olímpia e a maratona da antiguidade. Mas os jogos como conhecemos hoje surgiram de uma reunião na Universidade de Sorbonne, no coração de Paris.

O personagem central dessa história é Pierre de Coubertin, reconhecido como o fundador das Olimpíadas modernas. O francês é um aristocrata entusiasta do esporte que, aos 29 anos, imagina a retomada dos Jogos Olímpicos.

"Em 1892, ele faz seu primeiro discurso com essa ideia. Dois anos mais tarde, em 1894, acontece um congresso em Paris para definir uma regra internacional para o esporte amador. Na época, o amadorismo não era definido da mesma forma em todos os esportes e países. Coubertin usa esse Congresso Internacional para lançar a ideia dos Jogos Olímpicos da era moderna e, dessa vez, ele tem um apoio entusiasmado", explica o historiador e professor da Universidade de Lausanne, Patrick Clastres.

E assim nasce o Comitê Internacional Olímpico (COI), que será responsável por garantir que a cada quatro anos uma capital receba os Jogos. Coubertin, logicamente, queria que a primeira edição acontecesse em Paris, mas ele é obrigado a ceder e, em 1896, por razões simbólicas, a primeira Olimpíada da era moderna é realizada em Atenas.

A Cidade Luz organiza a segunda edição, em 1900. No entanto, essa Olimpíada, que ainda é um evento menor, acontece ao mesmo tempo que a Exposição Universal em Paris, que na época era o grande acontecimento mundial. Os atletas mal sabem que competem pelos Jogos Olímpicos e alguns campeões morrem sem saber que participaram de uma Olimpíada oficial.

"O COI considera os Jogos de 1900 como Jogos Olímpicos. Mas, na verdade, não havia nada de Olímpico neles, foram competições realmente organizadas pela Exposição Universal. Com amadores, profissionais, uma série de modalidades que não existiam nos Jogos Olímpicos realizados em Atenas em 1896 e que nunca mais vão aparecer nas Olimpíadas", conta o pesquisador Patrick Clastres.

A edição termina como uma grande decepção para Coubertin, que anos mais tarde diz que “é um milagre que o movimento olímpico tenha sobrevivido a esses Jogos”.

O nadador americano Johnny Weissmuller, à esquerda, e Duke Kahanamoku, durante os Jogos Olímpicos de Paris, em 1924
O nadador americano Johnny Weissmuller, à esquerda, e Duke Kahanamoku, durante os Jogos Olímpicos de Paris, em 1924 AP

Em 1924, uma revolução no esporte

Mas em 1924, durante os Anos Loucos, Paris tem sua revanche. "Esses jogos representaram um avanço em termos de globalização do esporte, pois novas nações de todo o mundo vieram participar. O Egito, a Índia e a Turquia, por exemplo", lembra o historiador de Lausanne. 

Pela primeira vez na história dos Jogos, é montada uma espécie de Vila Olímpica, para alojar os atletas vindos de 44 países de todo o mundo. Os dormitórios são feitos de madeira, e cada um tem três camas. Os banheiros e os chuveiros são compartilhados, como em um camping. As três refeições diárias também são realizadas no refeitório comum.

Os únicos a não ficarem na Vila Olímpica são os esportistas americanos. A delegação dos Estados Unidos preferiu alugar um castelo para seus atletas pelo conforto e para garantir boas condições de treinamento.

A Vila Olímpica de 1924 foi desmontada, mas a partir desta edição todas as sedes passaram a preparar alojamentos para os atletas.

E essa não é a única inovação desses Jogos. Pela primeira vez há uma cerimônia de encerramento, além da de abertura. Os estádios passam a ter alto-falantes, o que significa que o público é informado sobre as competições que acontecem ali. São criadas as cabines de transmissão para os jornalistas poderem assistir aos Jogos de um lugar privilegiado e, pela primeira vez, há transmissão ao vivo pelo rádio.

"Os jogos de 1924 marcam a história olímpica pela introdução da narrativa radiofônica. Até 1924, toda a narrativa dos feitos olímpicos era dada pelo texto escrito. Com o advento do rádio e das transmissões radiofônicas, há um novo componente introduzido nessa aproximação do público não presencial. Os jogos passam a ser acompanhados a partir da análise e da voz dos locutores de rádio", conta a historiadora do esporte Katia Rubio, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo).  

Depois do fracasso de 1900, os Jogos de Paris em 1924 são um sucesso de público. Alguns atletas vão marcar a história, e não só esportiva. Um dos nadadores americanos brilha na piscina de Tourelles: John Weissmuller conquista três medalhas de ouro. Anos mais tarde, o nadador encarna o Tarzan nos cinemas de todo o mundo.

Equipe de Atletismo do Brasil participante dos Jogos Olímpicos de Paris. Alfredo Gomes, à esquerda, é o primeiro brasileiro negro a disputar uma Olimpíada
Equipe de Atletismo do Brasil participante dos Jogos Olímpicos de Paris. Alfredo Gomes, à esquerda, é o primeiro brasileiro negro a disputar uma Olimpíada © Foto do Centro de Memória do Esporte da UFRGS

E o Brasil nisso tudo?

O Brasil quase não participou da Olimpíada de Paris em 1924. Apesar de ter sido convidado, o governo do presidente Artur Bernardes considerou que não valia a pena gastar dinheiro com o envio de uma delegação à França.

Depois de meses de briga com a Confederação Brasileira de Desportos, a Federação Paulista de Atletismo, com apoio do Jornal O Estado de São Paulo, decide fazer uma campanha para coleta de recursos para custear o envio dos atletas.

O resultado foi uma delegação de doze atletas brasileiros nos Jogos de Paris para as provas de atletismo, de tiro e de remo. Entre os esportistas do atletismo, o primeiro negro a defender o Brasil: Alfredo Gomes.

"A história de Alfredo Gomes é marcada por essa viagem que ele faz para os Jogos Olímpicos. Mesmo sem técnico, Alfredo Gomes treinava sozinho para se desenvolver do ponto de vista atlético. O resultado dessa dedicação pessoal é que, mesmo sem apoio institucional, ele desponta nas provas como um dos melhores atletas do atletismo brasileiro, vencendo todas as competições", conta Katia Rubio.

O esporte, no entanto, não tinha apoio para que Alfredo Gomes pudesse ser atleta profissional. Assim, ele durante o dia trabalhava na empresa de telefonia de São Paulo e, à noite, treinava no Clube Esperia.

Com boas chances de medalha, Alfredo é escolhido para carregar a bandeira brasileira na cerimônia de abertura dos Jogos em Paris.

Aos 25 anos, Alfredo representa o Brasil na prova de cross country, ao lado de outros 37 atletas. No entanto, a competição é realizada em um terreno muito acidentado e sob condições extremas de calor, por volta dos 40° C, de acordo com relatos da época. Alfredo é um dos 23 corredores que não terminou a prova.

Mas a história esportiva do primeiro negro brasileiro a competir uma Olimpíada não termina aí. O atleta participa e ganha a primeira maratona São Silvestre, realizada em 1925, por Cásper Líbero, inspirado pelos Jogos de Paris

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