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Radar econômico

Como o Brasil pode – e deve – se inserir na corrida industrial “verde” lançada por EUA e Europa

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Depois da entrada em vigor do Inflation Reduction Act nos Estados Unidos, com subsídios e incentivos bilionários (US$ 370 bi) para a indústria “verde” americana, a União Europeia reage na mesma moeda injetando o viés industrial do seu Pacto Verde. Os mecanismos europeus de financiamento devem ser definidos até junho. A corrida dos países desenvolvidos rumo à redução da dependência da China e de energias fósseis, em especial o petróleo, tende a impulsionar a movimentação dos investimentos nesse sentido no resto do planeta.

Usina fotovoltaica de Assu Sol, no Rio Grande do Norte, é um exemplo de aproveitamento da energia solar no norte do país.
Usina fotovoltaica de Assu Sol, no Rio Grande do Norte, é um exemplo de aproveitamento da energia solar no norte do país. © divulgação
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O mundo empresarial e financeiro acordou de vez para o tema, e as políticas públicas agora confirmam essa mudança, observa Roberto Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyau e um peso-pesado da promoção de práticas sustentáveis junto a algumas das maiores companhias do Brasil, como o frigorífico Manfrig.

“Isso que está acontecendo agora é reflexo desse amadurecimento, que é lento. Não é assim: acabou a Conferência de Paris, vamos todo mundo mudar. Acho que estamos vivendo um componente que é o risco de não fazer, do ponto de vista de gestão do capital”, salienta Waack. “Não é nem o risco climático ainda. Mas, do ponto de vista do capital, não há mais alternativa. Esses fundos têm visões de longuíssimo prazo e eles falam que se não fizerem nada, estarão comprometendo o capital de longo prazo. Os fundos de pensão, principalmente, têm esse olhar, e eles não podem simplesmente ignorar.”

Plano americano de subsídios e incentivos para a indústria "verde", como carros elétricos, chega a US$ 370 bilhões. Na foto, fábrica da Ford no Michigan, em 20 de setembro de 2022.
Plano americano de subsídios e incentivos para a indústria "verde", como carros elétricos, chega a US$ 370 bilhões. Na foto, fábrica da Ford no Michigan, em 20 de setembro de 2022. AFP - JEFF KOWALSKY

Trocar agricultura por energia

O Brasil desfruta de uma posição privilegiada neste contexto: ao contrário dos americanos ou europeus, o país já tem 48% da matriz energética de fontes renováveis, parcela sobe para 82% na matriz elétrica. Os investimentos verdes representam, portanto, uma oportunidade de mudanças estruturais no sistema de produção brasileiro, com possibilidades para uma nova política industrial de norte a sul do país.

No nordeste, por exemplo, o sol deixa de ser um problema para a agricultura e se soma às soluções energéticas, agora que as plantas solares, mas também as eólicas, estão mais competitivas. “Sol demais agora é solução, não é verdade? O cara fica tentando todo ano plantar para colher e quase nunca consegue porque não choveu”, comenta o economista Marcel Bursztyn, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UNB e um dos maiores especialistas do país no tema. “Ora, em vez de ele plantar mandioca, feijão, milho, planta energia, literalmente”, diz, frisando que o investimento painéis solares é amortizado em cinco anos.

Reciclagem deficiente e economia florestal

Outro caminho pronto para ser explorado é a profissionalização da indústria da reciclagem, que segundo Bursztyn, beneficiaria em torno de 1 milhão de pessoas que hoje operam no setor, a maioria informais. E sem falar no desenvolvimento de novas frentes, como o de desconstrução e recuperação de infraestruturas e embarcações. O exemplo do recente afundamento do porta-aviões São Paulo pela Marinha brasileiro evidenciou a ausência de um setor de reaproveitamento de grandes estruturas no Brasil.

Bahia tem investido na expansão de parques eólicos, como o de  Brotas de Macaúbas.
Bahia tem investido na expansão de parques eólicos, como o de Brotas de Macaúbas. Flickr/Fotos Gov/Ba

No agronegócio, motor do PIB brasileiro, as possibilidades também são diversas, a começar por aumentar a produtividade da agricultura sem degradação ambiental. A queda do desmatamento é a medida mais urgente para descarbonizar a economia brasileira.

“Para promover a economia verde e colocar o Brasil na posição de realmente aproveitar as oportunidades que tem – e que nenhum outro país tem, nem igual nem parecido –, terá que primeiro resolver a questão do desmatamento. E a solução do desmatamento vai ter que ser via a criação de alternativas econômicas para uma faixa da população que não tem acesso a nada”, salienta Roberto Waack. "Provavelmente vai passar pela chamada economia da conservação, com pagamentos por serviços ambientais, e algo na linha da bioeconomia, que nós não sabemos direito o que vai ser, mas essa é mais ou menos a zona do campo do investimento nessa frente."

Marcel Bursztyn acrescenta que o agro também tem amplo espaço para explorar na transformação das matérias-primas. “Agregar valor à soja brasileira que é exportada – em vez de exportar grão, exportar produtos processados – é uma indústria. Você economiza transporte, fretes navais, e em vez de exportar um navio cheio de soja, você vai exportar um navio cheio de produtos processados, com muito maior densidade de valor”, observa.

BNDES “verde”

O BNDES, impulsionado com a troca de governo, deve desempenhar papel-chave para financiar projetos de infraestrutura que tenham foco no viés ambiental. Ao tomar posse da instituição, Aloizio Mercadante prometeu um banco “verde, inclusivo, tecnológico, digital e industrializado”. Não à toa, dois renomados especialistas em clima, o cientista Carlos Nobre e a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, foram nomeados para o conselho de administração do BNDES, que conta ainda com a ex-CEO do Natixis, Luciana Costa, como nova diretora para infraestrutura, transição energética e mudanças climáticas.

Em um evento no começo de fevereiro, ela declarou que o mundo está “vivenciando a revolução industrial da economia de baixo carbono”, e o Brasil tem muito potencial por ter uma estratégica combinação entre potência energética e potência florestal”.

Na Europa, o plano industrial do Pacto Verde vai ditar as linhas de uma nova política industrial no bloco para a transformação da matriz energética, com foco na fabricação de semicondutores, baterias, matérias-primas críticas, como o lítio, e o desenvolvimento de tecnologias limpas. O orçamento estimado é de US$ 350 bilhões, que devem sair sobretudo de receitas já existentes.

Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, presidente da Comissão Européia, Ursula von der Leyen, no encerramento de Cúpula da UE em Bruxelas, em 10 de fevereiro de 2023. Líderes dos países aprovaram a criação de um viés industrial do Pacto Verde do bloco.
Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, presidente da Comissão Européia, Ursula von der Leyen, no encerramento de Cúpula da UE em Bruxelas, em 10 de fevereiro de 2023. Líderes dos países aprovaram a criação de um viés industrial do Pacto Verde do bloco. AP - Geert Vanden Wijngaert

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