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Radar econômico

Onda protecionista mundial pode favorecer política industrial sonhada por Lula

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A entrada em vigor em janeiro do plano bilionário americano de apoio à indústria nacional, em especial a automobilística e de tecnologia, consolida a nova era protecionista em que as potências se lançaram nos últimos anos, com impactos no resto do mundo. Em reação, a UE anunciou uma “nova lei para a indústria zero carbono”. No Fórum Econômico de Davos, o tema do “fim da globalização”, que já vinha sendo debatido nas edições anteriores, ganha força.

No Fórum de Davos, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, criticou onda protecionista dos Estados Unidos e da China - e anunciou pacote europeu para apoiar investimentos "verdes" no bloco.
No Fórum de Davos, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, criticou onda protecionista dos Estados Unidos e da China - e anunciou pacote europeu para apoiar investimentos "verdes" no bloco. AP - Markus Schreiber
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Depois da guerra comercial de Donald Trump contra a China, enganou-se quem pensava que Joe Biden recuaria na política de preferência nacional escancarada pelo antecessor. Como definiu um editorial do jornal Le Monde, em matéria de livre comércio, Biden é igual a Trump, menos os insultos.

O Inflation Reduction Act, abastecido com a soma colossal de U$S 369 bilhões, foi lançado com dois argumentos nobres – a transição ecológica e o combate à inflação. Mas o plano de investimentos visa, sobretudo, garantir a soberania tecnológica do país, indica o professor de economia Antonio Carlos Alves dos Santos, da PUC de São Paulo.

“Eu acho que o interessante nessa continuidade é a sinalização de que existe uma política do Estado norte-americano de defesa do que se chama de ‘interesse nacional’. Com essa medida, que na verdade é uma política industrial, Biden atinge os objetivos estratégicos americanos: fazer frente à concorrência chinesa e ao mesmo tempo vender um discurso de que o Estado americano teria comprado a agenda de ambiental, mundo afora”, analisa.

Na prática, o plano de investimentos marca um novo golpe à globalização, uma vez que só poderão se beneficiar as empresas com produção 100% americana, em solo americano.

“É uma tentativa do Estado nacional de se reinserir depois do choque que foi a pandemia, em que pudemos perceber o quanto vários países estavam dependentes da China na sua rede de suprimentos – e isso é muito complicado. Agora, estamos vendo uma tentativa de você fazer um descasamento da sua produção industrial da produção chinesa – e isso tem um custo imenso, que só pode ser suportado com apoio de recursos públicos”, explica Alves dos Santos.

Europa e a “nova lei para a indústria zero carbono”

No meio dos dois gigantes, a Europa denuncia há meses a “concorrência desleal” de Estados Unidos e China, que subvenciona há anos a sua indústria eletrônica, amplia os incentivos e restringe os seus mercados para as companhias estrangeiras. Só no setor de semicondutores, Pequim planeja colocar US$ 135 bilhões nas fabricantes nacionais a partir deste primeiro trimestre.

Face ao risco de ver as suas indústrias migrarem para leste ou oeste, em busca de condições mais vantajosas, o bloco se prepara para rebater na mesma moeda – um “fundo de soberania” está sendo articulado para propor “uma nova lei para a indústria zero carbono”, anunciou a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, nesta terça-feira (17) em Davos.

“O objetivo será concentrar o investimento em projetos estratégicos ao longo de toda a cadeia de suprimentos”, disse Von der Leyen, no Fórum Econômico Mundial. "Quando o comércio não é justo, as nossas reações devem ser mais enérgicas."

Em dezembro, o ministro francês da Economia, Bruno Le Maire, já havia advertido que os europeus “defenderão a sua indústria de todas as formas” – num contexto em que a Organização Mundial do Comércio (OMC) perdeu as rédeas para arbitrar uma batalha dessa amplitude.

Fortalecimento do BNDES

Já no Brasil, este contexto mundial poderá fortalecer os planos de Luiz Inácio Lula da Silva de implementar uma nova política industrial no país – sobretudo se vier com a desculpa da transição para uma economia de baixo carbono, observa Alves dos Santos. Anunciado desde a eleição do petista, o projeto de investimentos pode ser uma ferramenta valiosa para alavancar o crescimento econômico, mas é visto com reservas devido ao temor de intervencionismo estatal desmedido.

“No Brasil, já se começa a falar da retomada dos investimentos numa indústria nacional de semicondutores, ou seja, começa a ter um retorno de uma política industrial – uma palavra extremamente controversa, um debate econômico forte no Brasil”, aponta o economista. “Volta-se a ter um Estado intervencionista sob o manto da proteção ambiental e a necessidade da descarbonização. Mas o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento), caso queira apoiar essas empresas nacionais, estará plenamente justificado, porque todos os países vão fazer isso.”

Conforme dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a participação do setor no PIB brasileiro caiu pela metade desde meados dos anos 1980, quando era de 48%. Em 2022, respondeu por apenas 23,6% das riquezas nacionais.

Para a CNI, o primeiro passo para reverter esse quadro é uma reforma tributária para aliviar o chamado “custo Brasil”. O recado foi ouvido pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, que assumiu o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio com a missão de implementar a nova política industrial brasileira. Alckmin promete encaminhar a reforma ainda neste ano.

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