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Dia Mundial dos Portadores de Deficiência

Exposição em Paris sublinha a beleza de pessoas portadoras de deficiência

Como olhar a beleza? É uma questão de cultura, de continente? A exposição "Ser belo" revela acima de tudo a nossa própria deficiência ao nos mostrarmos incapazes de reconhecermos a beleza em pessoas portadoras de limitações físicas ou mentais. Por ocasião do Dia Mundial dos Portadores de Deficiência, nesta terça-feira (3), a mostra de fotografias abre suas portas e os corações de visitantes no Musée de l'Homme, em Paris.

A exposição de fotos "Être beau", "Ser Belo", em português,  sobre a beleza e as pessoas portadoras de deficiência, abre suas portas no Musée de l’Homme, à Paris, em 3 de dezembro de 2019.
A exposição de fotos "Être beau", "Ser Belo", em português, sobre a beleza e as pessoas portadoras de deficiência, abre suas portas no Musée de l’Homme, à Paris, em 3 de dezembro de 2019. © Siegfried Forster / RFI
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Por Siegfried Foster

Um conjunto de imagens gigantescas e textos pequenos resultam em uma exposição impactante, inaugurada após três anos de pesquisa e 18 encontros realizados pela fotógrafa Astrid di Crollalanza e pela escritora Frédérique Deghelt. Trata-se de um convite para compartilhar, por exemplo, a alegria de viver das gêmeas Pauline e Eva, ou para se aproximar da alma de Jérome, para se surpreender com o esplendor de Violette... Sem mencionar que eles são ora portadores da síndrome de Down, ora queimados que precisaram de um transplante de rosto, entre outras circunstâncias, que, normalmente, não seriam diretamente ligadas ao “belo” contemporâneo.

Mas Deghelt parece ter encontrado as palavras certas para apresentar os protagonistas desta exposição. Na abertura, ela veio com o filho Jim, portador de uma doença genética e curioso com o smartphone que filma sua mãe. Jim também foi fotografado suntuosamente por Astrid di Crollalanza, que assina as imagens cheias de criatividade e requinte, que ajudam a facilitar o acesso a esse mundo amplamente desconhecido.

RFI: O que é o belo para você?

Frédérique Deghelt: Para mim, a beleza é algo que brota por dentro. Foi isso que nos impressionou com os belos seres que fotografamos. Eles não conseguiram esconder a beleza que têm e a maneira como a espalham não tem nada a ver com o ego. Eles não têm consciência de serem bonitos, porque são rejeitados em todos os lugares. Então, é uma beleza muito natural.

RFI: Nas fotos e nos textos que acompanham as imagens, a beleza e pessoas com deficiência são uma coisa só. Por que na sociedade elas são frequentemente separadas?

FD: É separado, porque olhamos para eles de uma certa maneira. Nós olhamos para eles como não estando dentro da norma. E eles acabam se olhando enquanto os observamos, ao invés de sentirmos sua singularidade. Converso muito com pessoas com deficiência e digo a elas: há uma ambiguidade. Sim, eles devem viver como os outros. Sim, eles devem ter os mesmos direitos, ir aos mesmos lugares, trabalhar nas mesmas empresas, ganhar os mesmos salários, adquirir as mesmas habilidades, educação...  Mas, não, eles não devem ser como os outros. Eles não são como os outros. E eles têm que reivindicar, porque é isso que os torna únicos. E o fato de eles não serem como os outros também é algo que é um presente para nós, porque eles têm acesso a algo que não temos. Claramente.

RFI: Eles têm outra visão ou uma visão mais ampla da beleza?

FD: Sim e não. Um deles me disse: "Quando vejo uma pessoa com deficiência, eu a julgo. Eu digo: ele é uma pessoa deficiente. Eu tenho o mesmo olhar que os outros sobre a deficiência”. Mas, na realidade, eles ainda mantêm uma maneira diferente de olhar para o Outro no mundo. Eles têm outra maneira de estar no mundo. Para relativizar as coisas.

RFI: Em duas das 26 fotos exibidas, vemos duas irmãs jovens, gêmeas, portadoras da síndrome de Down. Que beleza descobrimos nesta foto?

FD: O pai delas disse: "Sim, é claro, as pessoas olham para elas na rua. Minhas filhas são lindas, gêmeas e com síndrome de Down, por que não olhariam para elas? E elas fazem o show. Elas são notáveis. Elas estão em uma espécie de show que as faz felizes. O que pode ser embaraçoso para alguns, mas depende de como você as vê. É sempre a questão do olhar que volta o tempo todo.

A exposição de fotos "Être beau", "Ser Belo", em português, sobre a beleza e as pessoas portadoras de deficiência, abre suas portas no Musée de l’Homme, à Paris, em 3 de dezembro de 2019.
A exposição de fotos "Être beau", "Ser Belo", em português, sobre a beleza e as pessoas portadoras de deficiência, abre suas portas no Musée de l’Homme, à Paris, em 3 de dezembro de 2019. © Siegfried Forster / RFI

RFI: Com a exposição, você quer redefinir a beleza?

FD: Não estou tentando redefinir a beleza. A beleza está aí. Quando você está na frente de um pôr do sol, você é aquele pôr do sol. Faz parte da sua natureza solar interior. E quando você está encarando seres bonitos, estes te tornam bonito. Então, não estou redefinindo nada. Eu apenas assisto e traduzo com palavras e Astrid di Crollalanta com fotos. É um presente que recebemos com gratidão.

RFI: A relação entre beleza e ser portador de deficiência depende do país, da cultura, do continente em que vivemos? Aqui na França ou na Europa é diferente do que na África, por exemplo?

FD: Provavelmente. De qualquer forma, há uma grande parte cultural na deficiência. [Alguns acreditam] que a deficiência é carregada por pessoas que receberam algo do diabo. [Outros têm a concepção de que] há uma segunda ou terceira vida e que, quando temos uma deficiência, é porque fizemos coisas erradas em uma vida anterior. Essa parte cultural é pesada e fez com que, às vezes na história, tenhamos ocultado a deficiência.

RFI: Os cânones da beleza sempre mudaram, de acordo com as culturas e os tempos. Quando pensamos, por exemplo, em mulheres africanas com espirais em volta do pescoço, anteriormente expostas a "jardins zoológicos humanos"; ou no fetichismo dos pés pequenos praticado na China, mas também nas tatuagens, que eram há muito tempo consideradas na Europa como sinais de marginalização, mas hoje foram elevadas à categoria de arte. A deficiência, um dia, poderia fazer parte da beleza da maioria da nossa sociedade?

FD: Eu não saberia dizer.... Eu sempre dou o exemplo de Guerra nas Estrelas, onde todos têm rostos impossíveis, mas isso não choca ninguém, porque eles vêm de outro planeta. Seria lindo se alguém pudesse estar nessa visão do Outro. Ou seja, o Outro pode ter uma forma corporal diferente. Também é interessante observar como "o homem aumentado" mudará nossa percepção do corpo. Por exemplo, você a modelo norte-americana Aimee Mullins, que tem 27 pares de pernas [que foram amputadas sob os joelhos quando tinha 1 ano de idade]. Ela se tornou uma atleta, modelo e atriz e afirma ser uma "mulher aumentada", e tem às vezes 1,82m, às vezes 1,70 m. Ela corre com algumas pernas, sai com pernas transparentes, com pernas esculpidas ... Então, tudo é possível.

“Ser belo”, exposição com fotografias de Astrid di Crollalanza e textos de Frédérique Deghelt fica em cartaz no Musée de l'Homme, em Paris, de 4 de dezembro de 2019 a 29 de junho de 2020.

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