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Revolução dos Cravos completa 50 anos e portugueses relembram fim da ditadura

O dia 25 de abril de 1974 marca o fim de uma era de ditadura e repressão em Portugal. A Revolução dos Cravos também abria caminho para o reconhecimento da independência das chamadas “províncias ultramarinas”, às quais a ditadura tentou se agarrar ferozmente. Muita coisa mudou desde então e os portugueses revisitam a data que mudou o curso da história do país.

Portugal se prepara para as comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos.
Portugal se prepara para as comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos. LUSA - MIGUEL A. LOPES
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Por Patrícia Moribe

A música “Tanto mar”, de Chico Buarque, de 1978, fala a respeito desse momento de virada em Portugal. Era um recado velado, de alegria e esperança, vindo de um Brasil geograficamente distante, vivendo sob outro ferrenho jugo militar. A letra dizia:

(...) “Sei que há léguas a nos separar (...)

(...) “Manda novamente algum cheirinho de alecrim”(...)

Chico escreveu uma primeira versão, em 1975, que foi vetada pela censura da ditadura brasileira. Ela começava com:

“Sei que estás em festa, pá

Fico contente

E enquanto estou ausente

Guarda um cravo para mim” (...)

As duas versões podem ser consultadas no site de Chico Buarque.

Tantos mares depois, os portugueses relembram a Revolução dos Cravos.

Contexto

A ditadura em Portugal começou com um golpe militar em 28 de maio de 1926 e Óscar Carmona foi nomeado presidente por decreto. Durante seu governo foi elaborada a Constituição de 1933, instituindo no país um novo regime autoritário, o Estado Novo. O presidente António Salazar entrou para a história como símbolo desse período sinistro, governando o país com mão de ferro por 36 anos.

Nos primeiros anos da ditadura, Salazar exerceu cargos ministeriais. Aplicou medidas de austeridade na economia em frangalhos, exigiu controle rígido de despesas, impôs aumentos enormes de impostos e congelamento de salários. O resultado foi um superávit, lembrado como um “milagre”. A imprensa, amordaçada pela censura, o chamava de “salvador da pátria”.

Logo Salazar se tornou figura indispensável para os militares, devido ao prestígio, habilidade política e manipuladora e apoio que detinha da Igreja Católica. A oposição tentou revoltas, que foram logo reprimidas.

Com respaldo da nova Constituição, Salazar cria o Estado Novo, que tem como pilares “Deus, Pátria e Família”, segundo ele próprio citou nas comemorações do décimo aniversário do golpe.

Salazar implanta um forte aparelho repressor, com prisões de opositores, torturas e perseguições. Documentos comprovam a assistência da Gestapo, a polícia secreta criada pelos nazistas alemães, aos órgãos de informação do governo.

Uma ditadura silenciosa e silenciadora

Ao contrário de ditadores contemporâneos como Mussolini e Hitler, Salazar preferia uma ditadura mais silenciosa. Mas chegou a criar a Mocidade Portuguesa, inspirada nas associações voltadas para jovens na Itália e Alemanha.

Salazar foi um apoiador de primeira hora de Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola deflagrada em julho de 1936. Portugal conseguiu convencer a Espanha a criar um bloco ibérico neutro durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar do apoio logístico e diplomático mútuo, as relações de Franco e Salazar eram pontuadas pela desconfiança.

Com a oposição reprimida, e apesar de uma tentativa frustrada de assassinato em 1937 e um escândalo de pedofilia envolvendo figurões do Estado Novo, a ditadura de Salazar foi se estendendo. Além disso, a neutralidade durante a Segunda Guerra Mundial favoreceu a balança comercial portuguesa de 1941 a 1943.

O fim do conflito internacional trouxe ventos de mudanças pelo mundo, mas Salazar resistia. A ONU passa a defender a descolonização, mas Portugal continuou na contramão, tendo proferido a frase “Orgulhosamente sós”, que cimentou o isolamento cultural e econômico do país em um contexto geopolítico em mutação. A crise e a repressão provocam o êxodo de milhares de portugueses a outros países da Europa, como França e Suíça, e do mundo, como o Brasil.

O estopim das revoltas coloniais acontece em 1961, em Angola, se espalhando rapidamente para a Guiné e Moçambique. A “nação multirracial e pluricontinental” de Salazar estava se desmoronando. Com a Revolução dos Cravos, todas as colônias portuguesas se tornaram independentes, com exceção de Macau, que teve a soberania transferida para a China em 1999.

De uma queda, literalmente, em 1968, Salazar foi ao chão e acabou com graves sequelas. Ele foi afastado do poder, sendo substituído por Marcello Caetano. Salazar morreu em 1970, sem saber que já não era o grande líder que imaginava ser.

Revolução dos Cravos

O fim do regime ditatorial foi liderado por um movimento formado majoritariamente por capitães que participaram da guerra colonial e buscavam mais prestígio nas Forças Armadas. Com apoio popular, o movimento foi ganhando força.

O golpe militar do dia 25 de abril de 1974 aconteceu de forma combinada em várias partes do país, com pouco revide, pois muitos militares aderiram ao movimento. Quatro pessoas morreram em Lisboa.

No dia 26 de abril é anunciada a criação da Junta de Salvação Nacional, formada por militares, que abre caminho a um governo de transição. O lema agora é formado por três "ds": democratizar, descolonizar e desenvolver.

O cravo se tornou símbolo da revolução por conta de uma mulher, Celeste Caeiro, que um dia levava cravos pelas ruas de Lisboa. Um soldado pediu a ela um cigarro, mas ela tinha só flores. Então passou a distribuir os cravos entre os soldados, que os colocavam no cano das armas, daí o nome “Revolução dos Cravos”.

Vozes da revolução

A jornalista Carina Branco, da redação lusófona da RFI, entrevistou várias vozes da Revolução dos Cravos, de estudantes na época, artistas e religiosos que participaram da resistência que levou à queda da ditadura.

Como Isabel do Carmo, cofundadora das Brigadas Revolucionárias, uma das organizações armadas que combatiam a ditadura. Nascida em 1940, ela começou na militância de oposição ao regime aos 15 anos. Chegou a ser presa duas vezes. A filosofia das Brigadas Revolucionárias, ela conta, “era abalar o regime sem matar as pessoas”.

O ex-diácono e seminarista Joaquim Alberto Simões lutou sob a bandeira da Luar, Liga de União e Ação Revolucionária. Ele diz que não aceitava que um regime politico submetesse o povo à repressão, miséria e ao castigo permanente. Também para a Luar, o objetivo era fazer ações armadas contra o regime e sabotar os meios usados na guerra colonial, mas sem visar pessoas. “Ninguém ia com a intenção de matar”, disse à RFI.

O livro “Novas Cartas Portuguesas”, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, de 1972, ajudou a denunciar o regime ditatorial português para o mundo. A obra foi apreendida e as “Três Marias” foram julgadas. Aos 86 anos, Maria Teresa Horta falou à RFI sobre o livro, que “teve poder de uma bomba”.

Na obra, as mulheres falam sem tabus de seus corpos, do desejo, mas também da violência e do estatuto social e político inferior de que eram vítimas. A ditadura considerou o livro como “insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública” e as autoras foram ameaçadas com uma pena entre seis meses a dois anos de prisão. “Este livro, para mim, continua a ter o efeito da claridade”, diz Maria Teresa Horta. 

Homenagem aos portugueses em Paris

A nova geração também faz uma reverência à Revolução dos Cravos, como o grafiteiro Glaçon, português baseado em Paris, que para lembrar o evento vai grafitar até o dia 25 de abril, 24 rostos de personalidades portuguesas pela capital francesa. Tem Eça de Queiroz, Camões, a atriz Maria de Medeiros e Cristiano Ronaldo, entre outros.

Camões retratado na Avenida Camões, em Paris.
Camões retratado na Avenida Camões, em Paris. © Glaçon

"Eu quis fazer um calendário do advento do 25 de Abril celebrando Portugal sem ser só MFA (Movimento das Forças Armadas), sem ser só capitães, porque seria sempre mais ou menos a mesma coisa. Quis fazer uma espécie de homenagem a Portugal. Então falei da ideia de irmos de Magalhães ao Ronaldo, passando pela cultura portuguesa, é claro", explicou em entrevista a Catarina Falcão, da RFI.

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