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Coleção do magnata russo Chtchoukine é a mostra do ano em Paris

Cento e trinta telas assinadas por mestres da pintura francesa são reunidas pela primeira vez desde a dispersão da coleção, em 1948. A Fundação Louis Vuitton homenageia com essa exposição extraordinária um dos maiores mecenas do começo do século XX, o russo Serguei Chtchoukine.

"Três Mulheres", de Pablo Picasso, óleo sobre tela, 1908
"Três Mulheres", de Pablo Picasso, óleo sobre tela, 1908 Copyright@2016, Fondation Louis Vuitton
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É quase estonteante ver tantas obras-primas em um mesmo espaço: 29 quadros de Picasso, 22 de Matisse, 12 de Gauguin, além de telas de Monet, Cézanne, Signac, Douanier Rousseau, Derain, entre outros.

E todo esse encantamento se prolonga na das criações da vanguarda russa que completam a mostra, com nomes como Kasimir Malevitch, Vlamidir Tatline, Ivan Kloune, emprestadas pela famosa Galeria Tretiakov de Moscou e pela coleção Costakis, de Tessalônica, na Grécia.

Anne Baldassari, curadora da exposição chamada "Ícones da arte moderna: a coleção Chtchoukine", diz que esse conjunto esplêndido ainda é desconhecido do público ocidental: "Desde a dispersão da coleção em 1948, ela nunca mais foi reunida como uma entidade artística singular e coerente". A coleção foi nacionalizada por Lenin em 1918 e agregada à de outro colecionador, Ivan Morosov, formando em 1920 o Museu de arte moderna ocidental, o primeiro do gênero. Em 1948, a coleção foi dividida entre os museus Pushkin e Hermitage.

Como a exposição foi pensada pela curadora?

"Mesa Posta - Harmonia em vermelho" de Henri Matisse, óleo sobre tela, 1908
"Mesa Posta - Harmonia em vermelho" de Henri Matisse, óleo sobre tela, 1908 Copyright@2016 Fondation Louis Vuitton

Anne Baldassari refletiu muito sobre como explorar esse verdadeiro tesouro no prédio contemporâneo da Fundação Louis Vuitton, criado pelo arquiteto americano Franck Ghéry.

A opção foi entrecruzar pelas 14 salas, em um espaço de 2.500 m2, as obras temáticas como paisagens (a abordagem mais explorada), portraits e natureza morta, com as monografias de Picasso, Matisse e Gauguin.

Entre as imagens mais fascinantes, encontramos "Mesa Posta - Harmonia em Vermelho", a primeira grande encomenda feita por Chtchoukine a Matisse, em 1908. Em paralelo, a vídeo-instalação "Chtchoukine, Matisse - A dança & a música", realizada pelos diretores Saskia Boddeke e Peter Greenaway, conta a história quase passional da encomenda desta obra monumental a Matisse entre 1909 e 1911 para ornar a escadaria de seu palacete.

"Almoço na relva", de Claude Monet, óleo sobre tela, 1863
"Almoço na relva", de Claude Monet, óleo sobre tela, 1863 Copyright@2016 Fondation Louis Vuitton

Para Anne Baldassari, esta foi a coleção francesa mais radical da época. "Chtchoukine se encontrava no epicentro da revolução das artes", ela observa, contando que em suas primeiras viagens a Paris, em 1898, orientado pelo marchand Paul Durand-Ruel, o industrial se interessou primeiro pelos impressionistas, especialmente por Monet, de quem comprou 13 quadros. Sua paixão pelo movimento vai levá-lo a adquirir 8 telas de Cézanne, 16 de Gauguin, 5 de Degas e 4 de Van Gogh.

Em 1907, ele encontra os colecionadores Leo e Gertrude Stein, que vão apresentá-lo a Picasso e Matisse.

"Em dois anos ele comprou 30 obras de Picasso. É um dos raros colecionadores do cubismo no momento em que a corrente estava acontecendo e, no total, reuniu 50 criações de Picasso e 22 de Matisse", conta a curadora.

Chtchoukine: mecenas visionário e atormentado

Nascido em uma família abastada da grande burguesia russa, Serguei prosperou no comércio, em plena ascensão

O mecenas russo e grande colecionador de arte moderna francesa, Serguei Chtchoukine
O mecenas russo e grande colecionador de arte moderna francesa, Serguei Chtchoukine Copyright@2016 Fondation Louis Vuitton

econômica e social durante a Revolução Industrial. Culto, aberto ao mundo, gostava de viajar e viver no luxo, a ponto de comprar o palacete dos príncipes Troubetskoi.

O local se transformaria, no futuro, em seu museu particular. Ali ele tinha cinco salas abarrotadas de telas de mestres. Mas, ao contrário do que podemos imaginar, nem sempre ele gostava do que comprava, e entrava em conflito interior. Alguns exemplos são os pintores simbolistas ou românticos como Edward Burne-Jones ou Maurice Denis.

Mais complexa ainda era sua relação com as obras do mestre catalão: "Picasso o chocava, o torturava", conta a curadora Anne Baldassari, antiga diretora do Museu Picasso. "O mesmo aconteceu com Matisse, quando encomendou os painéis imensos sobre a Dança e a Música. Assustado com o escândalo causado pelas obras no Salão de Outono de Paris ele renunciou a comprá-las e depois, com remorsos, mudou de ideia. Esa história é justamente contada no vídeo-instalação", revela.

Sala de Matisse (Salão rosa), no palacete Troubetskoi
Sala de Matisse (Salão rosa), no palacete Troubetskoi Copyright@2016 Fondation Louis Vuitton

Uma outra característica do mecenas era o prazer em mostrar sua coleção para o maior número possível de pessoas. Chtchoukine sentia necessidade de compartilhar sua paixão compulsiva pela arte.

Ele começou abrindo as portas de seu palacete todos os domingos de manhã e depois recebia visitantes até tres vezes por semana.

Esta iniciativa impactou de forma relevante na criação artística do país. Foi o acesso que os jovens artistas  puderam ter à vanguarda pictural que acabou tendo uma forte influência na produção russa da época. Como exemplo, podemos citar Malevitch, com o radical "Quadrado negro", e "Quatro quadrados", Vladimir Tatline ou Liubov Popova, que confrontaram suas criações com as de Picasso.

 Mostra pode reaproximar França e Rússia, diz curadora

Perseverança. Foi o que necessitou André-Marc Delocque-Fourcaud, neto de Sergeï Chtchoukine, para realizar o projeto desta exposição. Não foi fácil conseguir o acordo dos dois museus russos nem dos governos da França e da Rússia, cujas relações andam estremecidas ultimamente. Delocque-Forcaud vive em Paris, onde seu avô se instalou depois da revolução: "Há 25 anos, minha mãe escreveu ao presidente da Rússia para falar de Chtchoukine, que tinha caído no esquecimento. Há quatro anos, o diretor do Ermitage nos deu o sinal verde, foi como um milagre", diz o neto do magnata.

Para transportar a coleção, foram precisos 35 comboios entre Moscou, São Petersburgo e Paris. Telas que não podiam ser deslocadas foram restauradas para poder partir, protegidas por vidros quase invisíveis. Sem falar na segurança máxima que tantas obras-primas juntas exigem.

Para Anne Baldassari, a exposição foi possível porque os governos da França e da Rússia realmente cooperaram durante dois anos. "Vocês viram o catálogo da mostra, o prefácio foi escrito pelos dois presidentes, Putin e Hollande, isso foi muito importante. A situação internacional é complexa mas esta exposição sempre manteve, apesar das turbulências recentes [referência à crise entre França e Rússia sobre os bombardeios em Aleppo, na Síria], um estatuto privilegiado, um elo de um diálogo que nunca foi interrompido, que começou há muito tempo, que é a amizade franco-russa. E estou certa que a mostra vai ajudar a melhorar as coisas", ela observa.

"Ícones da arte moderna - a coleção Chtchoukine", pode ser vista até 22 de fevereiro na Fundação Louis-Vuitton, em Paris.

Veja a galeria de fotos com obras da exposição:

 

 

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