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Guerrilha informativa com 'superpoderes' alimenta máquina de fake news no 2° turno no Brasil

Kit gay. Maçonaria. Banheiros unissex para crianças. Urnas eletrônicas com durepox. No meio de um discurso distópico que parece saído de uma farsa humorística, os eleitores brasileiros tentam acordar da intensa disputa que marcou o primeiro turno destas eleições gerais no Brasil. Com o Congresso definido, resta saber agora quem vai governar o país nos próximos quatro anos. A RFI conversou com pesquisadoras especializadas em desinformação para aprofundar o assunto e oferecer alternativas.

Eleitores brasileiros convivem com um verdadeiro tsunami de conteúdos duvidosos neste segundo turno das eleiçéoes presidenciais brasileiras.
Eleitores brasileiros convivem com um verdadeiro tsunami de conteúdos duvidosos neste segundo turno das eleiçéoes presidenciais brasileiras. © Shutterstock - Shyntartanya
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Nina Santos, pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, lembra que a questão religiosa vem sendo pautada como desinformação desde o início da campanha. "Existe muita desinformação circulando sobre o fechamento de igrejas, ataques a cristãos e coisas desse tipo. Víamos isso de maneira um pouco limitada, mas de fato isso ganhou muita relevância logo depois do primeiro turno, com estratégias de descredibilizar determinados candidatos a partir de uma mistura de informações reais e fake news combinadas", afirma.

"O campo religioso e da discussão moral e de costumes são dois campos têm sido muito alvo da desinformação", pontua. Para a especialista, que atualmente foca sua pesquisa nas dinâmicas de circulação de informações política e nos estudos sobre mediação e mediadores de informação, "o cenário em relação às fake news para esse segundo turno é extremamente desafiador".

Temas "reciclados" de 2018 alimentam desinformação

"Vimos no final do primeiro turno, naquelas ultimas 72h antes da eleição, um crescimento muito grande da difusão de fake news especialmente relacionadas ao sistema eleitoral, a questões morais, uma série de mentiras sobre banheiros unissex, educação sexual na infância, que são temas reciclados de 2018. Esse processo se intensificou muito também nos dias seguintes ao primeiro turno", destaca a pesquisadora.

Santos cita que, já na segunda-feira (3), uma série de lives no YouTube questionando a legitimidade e a integridade do processo eleitoral foi ao ar e os temas religiosos entraram com mais força. "Precisamos redobrar a atenção e o cuidado nesse segundo turno", previne.

Guerrilha com "superpoderes"

“Estamos assistindo uma ação da esquerda mais no sentido de tentar viralizar com conteúdos humorísticos e mais desinformativos. Isso é uma consequência da polarização afetiva dessas eleições, do envolvimento emocional que a gente está vendo, e a tendência é que isso se acirre nos próximos dias até o segundo turno”, diz Raquel Recuero, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e coordenadora do laboratório de pesquisa MIDIARS.

"Já a extrema direita trabalhou muito em cima de desinformação, em cima desse conteúdo que é fabricado, para tentar influenciar a opinião da pessoas", diz Recuero. "Foi uma fórmula que deu certo. Claro que a guerrilha informativa sobre candidatos sempre existiu. A questão é que agora temos uma guerrilha com superpoderes porque ela transita por várias plataformas de mídias sociais e ela dá a impressão para as pessoas que todos estão 'falando sobre isso', então todos 'concordam'. Então é muito mais fácil obter uma legitimação [desses conteúdos]. Isso porque temos, muitas vezes, autoridades no exercício do mandato que legitimam esses conteúdos desinformativos", destaca.

Recuero observa que, agora que processo democrático e a legitimidade das urnas estão menos questionados pels bolsonaristas, a máquina da desinformação se concentra nos candidatos. "No segundo turno, é possível que tenhamos mais desinformação sobre os candidatos em si e menos sobre as urnas", observa. 

Como se consome fake news no Brasil

O conceito de fake news é muito disseminado, mas ainda confuso para o público brasileiro. Tudo que é mentira ou enganoso é geralmente classificado como fake news, incluindo vírus, golpe de internet, foto de perfil com filtro etc. Segundo uma pesquisa do Internet Lab e da Rede de Conhecimento Social de 2021, 42% dos entrevistados admitiram ter repassado notícias que consideraram “interessante”, sem checar.

Ainda segundo o mesmo estudo, o primeiro critério do público brasileiro para determinar se uma notícia é fake news ou não é se a fonte, ou seja, a pessoa que compartilhou a notícia, é “de confiança”. Na dúvida sobre a fonte, o internauta brasileiro vai buscar informações complementares direto no Google, Twitter ou outras redes sociais, ignorando, por exemplo, sites de checagem ("fact check") ou mídias mais tradicionais.

Para se ter uma ideia de como as fake news penetram no eleitorado brasileiro, um levantamento de 2018 apontou que 83,7% dos eleitores de Jair Bolsonaro acreditaram na informação de que seu opositor na época, o então candidato à presidência Fernando Haddad, distribuiu o famoso kit gay para crianças em escolas, quando era ministro da Educação.  Além disso, quatro em cada dez brasileiros afirmam receber fake news diariamente, segundo uma pesquisa publicada pelo instituto Poynter em agosto de 2022.

Como evitar a desinformação

"Essa é a pergunta que todo mundo quer saber: como é que se escapa das fake news", diz a pesquisadora da Ufpel. "Primeiro a gente tem que entender que a desinformação não circula necessariamente porque as pessoas desconheçam que se trate de desinformação, mas porque ela fala muito com a emoção. Num contexto de guerrilha informativa como esse em que a gente está vivendo, é possível que as pessoas aceitem essa desinformação que circula porque ela conversa com as crenças que elas já têm", avalia.

"Se fala bem do meu candidato, não é fake news", exemplifica, com ironia, a especialista. "Precisamos nos concentrar mais no que é uma eleição, no que é o processo democrático, e sobretudo buscar fontes que sejam realmente fidedignas e que não distorçam o que as pessoas dizem, ou o que está sendo apresentado. É fundamental parar para pensar, afinal de contas, que conteúdo é esse que estamos compartilhando e qual a origem desse conteúdo", ressalta Recuero.

Confira alguns dos principais sites de checagem de notícias

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