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Mortes de Bruno e Dom: Brasil deve avançar na proteção de indígenas e defensores de minorias, diz OAB

A Polícia Federal continua a investigação sobre as mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, mas o pescador Amarildo da Costa Oliveira confessou o assassinato. A Comissão de direitos humanos da OAB diz que declarações do presidente da República criam clima favorável ao crime e que estado brasileiro precisa responder através de políticas de proteção de terras indígenas.

Kamuu Dan Wapichana, da tribo Wapichana, participa de um protesto contra o governo do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, o presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) Marcelo Augusto Xavier da Silva e pela busca do jornalista britânico Dom Phillips e do especialista indígena Bruno Pereira.
Kamuu Dan Wapichana, da tribo Wapichana, participa de um protesto contra o governo do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, o presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) Marcelo Augusto Xavier da Silva e pela busca do jornalista britânico Dom Phillips e do especialista indígena Bruno Pereira. REUTERS - UESLEI MARCELINO
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

O desfecho trágico já era esperado, mas a confirmação da morte de Bruno Pereira e Dom Phillps provocou comoção e gerou manifestações de políticos, sociedade civil, entidades e indígenas. As comunidades locais, especialmente da região onde os dois desapareceram, depositavam em Bruno uma confiança que para eles não era fácil de encontrar em um não indígena. "Não visualizamos a realização da mesma atividade por qualquer outro indigenista na atualidade", disse em nota a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), em nota.

O indigenista falava várias línguas locais e tinha experiência como poucos na delicada tarefa de fazer contato com povos isolados, um trabalho às vezes necessário para protegê-los, mas que tem por pilar não interferir em seu modo de vida. Bruno também coordenou um trabalho de expulsão de garimpeiros de terras yanomami, pouco antes de deixar a Funai, onde era servidor de carreira.

Ele coordenou por vários anos o departamento responsável por comunidades isoladas, mas foi exonerado do cargo na gestão Bolsonaro, quando Sérgio Moro era ministro da Justiça. Se sentindo pressionado e sem liberdade para levar adiante o trabalho, pediu licença não remunerada da Funai e passou a assessorar a Univaja, trabalhando com índios que conhecia há muito tempo.

“Para nós, povos indígenas do Vale do Javari, é uma perda inestimável", disse à Univaja. Um vídeo que mostra Bruno sentado no meio da mata cantando no idioma Kanamari, viralizou nas redes sociais, com comentários sobre a dedicação dele à floresta e a seus guardiões. Índios não aparecem nas imagens, mas Bruno sorri para eles e dá para ouví-los entoando também a canção.

Silvia Souza, presidente da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmou à RFI que a morte de Bruno e Dom mostra o quanto o país precisa avançar na proteção dos índios, da floresta e dos que defendem minoras. E como ações e discursos de autoridades políticas, como o próprio presidente da República, criam um ambiente que favorece o crime.

“O Brasil, de acordo com levantamento realizado pelas organizações Terra de Direito e Justiça Global, é o quarto país no mundo em que mais se matam defensores de direitos humanos, e infelizmente discursos proferidos pelas pessoas que ocupam o mais alto escalão do Poder Executivo no Brasil e que atentam contra a defesa de direitos humanos, e consequentemente contra a vida dos defensores de direitos humanos, infelizmente só legitimam esse tipo de violência.”

O jornalista inglês, que é casado com uma brasileira, vivia há 15 anos no Brasil e morava na Bahia. Dom era apaixonado pelo país e pela floresta e já tinha ido à Amazônia outras vezes.

Investigação

A apuração do caso ainda não terminou. Partes de corpos encontrados na área ainda serão periciadas, outras pessoas podem ser presas e agentes farão buscas pela lancha ocupada por Bruno e Dom. Mas na noite dessa quarta-feira foi confirmada oficialmente a morte do indigenista e do jornalista inglês, dez dias após o desaparecimento dos dois. Segundo a polícia federal, o pescador Amarildo da Costa Oliveira indicou onde enterrou os corpos e onde ocultou a lancha em que viajavam Bruno e Dom.

O superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Fontes, rechaçou críticas de que faltou empenho no caso, alegando que um helicóptero foi pedido em ação judicial para ajudar nas buscas. “Não dá para agir pelo ‘ouvi dizer’. É preciso ter provas que não sejam refutadas depois. A gente quer realmente que as pessoas que praticaram esse crime de forma bárbara sejam condenadas e respondam pelos atos praticados. E para isso, a Polícia Federal tem que agir de forma técnica”, disse o delegado da PF.

A advogada da OAB disse que “a investigação não acabou e nós aguardamos para saber qual é a autoria desse crime horrendo, quem são os responsáveis, se há mandante, se não há, e que haja a efetiva aplicação da legislação para responsabilizar e punir os autores desse crime abissal”.

Souza lembrou que este ano chegou à Corte Internacional de Direitos Humanos o caso do advogado e defensor dos direitos humanos Gabriel Pimenta, assassinado em 1982 no Pará, depois de conseguir uma liminar para assentar 150 famílias de trabalhadores rurais. “Descobriu-se os mandantes, mas a justiça brasileira foi tão inefetiva que o crime prescreveu”.

“Que o caso do Bruno e do Dom não fique assim. Mas não apenas responsabilizar os autores de forma individual e punir. O estado brasileiro precisa responder por meio de políticas públicas e de políticas de estado de forma efetiva quanto à proteção dos povos indígenas e proteção das terras indígenas. E o atendimento das necessidades dessa localidade, que é afastada, que tem suas peculiaridades”, conclui.

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