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Bolsonaro/Posse de armas

Decreto de Bolsonaro facilita mercado ilegal de armas, diz diretor do Instituto Sou Da Paz

O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta terça-feira (15), durante uma cerimônia no Palácio do Planalto, o decreto que facilita a posse de armas no Brasil, uma de suas promessas de campanha. Apesar de ser autorizada no Brasil, a posse é controlada pelo Estatuto do Desarmamento, que entrou em vigor no país em 2004. Segundo Ivan Marques, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, a flexibilização da posse oferecerá uma série de riscos à segurança dos brasileiros: seis armas são vendidas por hora hoje no Brasil, que registra anualmente cerca de 45 mil homicídios, “mortes violentas e intencionais”, com arma de fogo.

Decreto sobre posse de armas será assinado por Bolsonaro nesta terça-feira 15 de janeiro de 2019.
Decreto sobre posse de armas será assinado por Bolsonaro nesta terça-feira 15 de janeiro de 2019. Fernando Souza / AFP
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O principal ponto do novo texto é o tempo de validade do registro da arma junto à Polícia Federal, que aumentou de 5 para 10 anos. A renovação do documento junto ao Exército também aumentou, neste caso de 3 para 10 anos. Além disso, Jair Bolsonaro declarou que pretende facilitar o cadastramento de cidadãos para posse de arma estabelecendo, por meio de Medida Provisória (MP), um convênio com a Polícia Militar e Civil dos estados da federação. Até esta data, apenas a Polícia Federal era autorizada a fazer esse cadastramento em território nacional. A medida deve ser publicada ainda nesta terça-feira (15) em edição extra do Diário Oficial da União, com efeito imediato.

Especialistas em violência e segurança pública contestam, no entanto, a decisão de Bolsonaro. “O Brasil já sofre com uma verdadeira epidemia de homicídios causada pelo vetor arma de fogo. São 63.880 mortes por ano, violentas e intencionais. Dessas, cerca de 45 mil foram causadas por arma de fogo”, lembra Ivan Marques, do Instituto Sou da Paz. “Com esse decreto teremos mais violência, mais caos e mais dificuldade para as polícias atuarem”, afirma.

Assinatura solene de decreto sobre posse de armas (Brasília – DF, 15/01/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro assina decreto.
Assinatura solene de decreto sobre posse de armas (Brasília – DF, 15/01/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro assina decreto. Alan Santos/PR

Resposta imediata do mercado

A primeira reação imediata à assinatura do decreto pelo presidente veio do mercado. Na Bovespa, as ações da maior empresa fabricante de armamento do Brasil, a Taurus, subiram 5,18%. Segundo Marques, o perfil de quem compra armas no país é bem definido: “trata-se de uma esmagadora maioria de homens brancos de classe média, entre 40 e 50 anos”, relata. “A justificativa deles é a proteção de sua propriedade ou família. O grande problema é que as estatísticas criminais mostram que é exatamente esse mesmo perfil o que comete violência contra mulher, abuso e violência doméstica, além de acidentes letais com armas de fogo”, afirma o diretor do Instituto Sou da Paz.

O preço de mercado de uma arma básica de pequeno porte no Brasil varia entre R$ 3,5 mil e R$ 5 mil, segundo ele. “Dá para equipar uma casa inteira. Não duvido que apareçam a partir de agora possibilidades de financiamento e parcelamento de armas”, diz. “É um mercado que vem se reaquecendo. Tivemos nos últimos tempos um aumento de quase 80% no valor das ações da Taurus, muito por conta da eleição do presidente Jair Bolsonaro”, avalia Marques.

Posse X Porte: qual a diferença?

Todos os brasileiros são atualmente autorizados a solicitar uma licença de arma de fogo, desde que cumpram uma série de pré-requisitos, como ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e residência certa, não possuir condenação ou responder a inquérito ou processo criminal, comprovar a capacidade técnica e psicológica para o uso do equipamento e declarar a necessidade efetiva do armamento.

“A proibição da posse de armas nunca foi uma realidade no Brasil”, lembra Ivan Marques. “Os brasileiros sempre puderam ter até seis armas em casa, duas armas curtas [revólveres], duas armas longas, do tipo carabina ou fuzil, e duas armas longas do tipo espingarda ou escopeta, além de munição equivalente para esse equipamento. A diferença é que a crise se segurança pública e o aumento da publicidade sobre a questão acabou levando mais pessoas a buscarem esse recurso, especialmente a partir de 2015”, relata.

A legislação que regulamenta a posse de armas atualmente no Brasil é regida pelo Estatuto do Desarmamento, oficialmente conhecida como a lei federal n ° 10.826. Aprovado em 2003, o Estatuto tirou centenas de milhares de armas das ruas no Brasil, segundo o Mapa da Violência de 2016. Até o início de 2014, quase 650 mil armas foram voluntariamente entregues pela população. Segundo o documento, graças às políticas de controle das armas de fogo, cerca de 135 mil homicídios foram evitados no país.

“O que houve no país, a partir de 2003, foi uma regulamentação desse comércio de armas de fogo, além do controle sobre a posse e o porte. Mas é uma grande mentira dizer que é proibido comprar arma no Brasil. Os números da Polícia Federal mostram, no entanto, que tivemos um expressivo aumento na busca de novas armas em 2015, que se mantém até os dias de hoje”, revela Marques.

O especialista diz que o aumento da compra de armas é gerado não apenas pelo medo e pela insegurança, “uma vez que as estruturas públicas não conseguem garantir a tranquilidade da população”, mas também “pelo incentivo à que as pessoas tenham armas, gerado pelo debate sobre a legislação”. “Seis armas vendidas por hora não é pouca coisa”, comenta Marques. Os números foram fornecidos pelo Exército, e requeridos pelo Instituto Sou da Paz, com base na lei de transparência.

No entanto, ao contrário da posse, o porte de armas é proibido no país, um ponto importante na opinião de Ivan Marques. “É fundamental a distinção entre as regras que determinam esse controle. A maior conquista civilizatória da Segurança Pública no Brasil nos últimos 20 anos foi a proibição do porte de armas, ou seja, a proibição de que as pessoas andem armadas nas ruas”, afirma. “Isso evita, de maneira comprovada, muitos homicídios por motivos banais e muitos escalonamentos de tensões, de brigas interpessoais, que poderiam vitimar alguém com arma de fogo. O decreto de Bolsonaro facilita a compra de armas para as pessoas terem em suas casas. Qualquer mudança em relação ao porte precisa ser alterada na lei, com a aprovação do Congresso”, especifica. O Brasil é atualmente o quarto maior exportador de armas pequenas e leves no mundo, um mercado que pode ser enriquecido se o porte for facilitado.

“Talvez esse seja o próximo passo. Talvez, em fevereiro, com o início do mandato legislativo, eles tentem flexibilizar os requisitos ao porte. Mas me parece gravíssimo pensar na possibilidade das pessoas voltarem a andar armadas num país que apresenta 45 mil mortes violentas e intencionais por arma de fogo”, diz Marques.

Marca histórica de 60 mil homicídios por ano

Em 2016, pela primeira vez o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517 homicídios, segundo informações do Ministério da Saúde, o que equivale a 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes, cerca de 30 vezes a taxa registrada na Europa. Segundo o Atlas da Violência 2018, documento publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), “a corrida armamentista dos anos 1980” causou o aumento dos casos de homicídios.

Segundo o texto, o começo da década de 1980 a proporção de homicídios com o uso da arma de fogo girava em torno de 40%, esse índice cresceu ininterruptamente até 2003, quando atingiu o patamar de 71,1%, ficando estável até 2016.

O Mapa da Violência de 2016 mostra que 967.851 pessoas morreram vitimadas por disparos de arma de fogo no Brasil, entre 1980 e 2014. No passado, o simples preenchimento de um formulário era suficiente para a compra de uma pistola, “o que gerou o banho de sangue que foram os anos 1980 e 1990”, lembra Ivan Marques.

“O Estatuto do Desarmamento, de 2003, é na verdade um grande Código de Armas. Além de gerar o controle de toda a vida da arma de fogo, ele regulamenta a fabricação, comércio, quem pode fazer uso, e até a destruição de armas apreendidas com o crime”, explica o especialista. “O grande mandamento deste Estatuto é: quem pode portar arma, andar armado, são forças de segurança ou casos muito excepcionais”, diz.

Quem são as vítimas da violência no Brasil?

Segundo o Atlas da Violência de 2018, produzido pelo Ipea, há a desigualdade das mortes violentas por raça/cor, que veio se acentuando nos últimos dez anos, sendo que 71,5% das pessoas que são assassinadas a cada ano no país são pretas ou pardas. Os dados mostram também que situação é mais grave nos estados do Nordeste e Norte do país, especialmente entre a população masculina, entre 15 e 19 anos.

“Uma das questões pelas quais o Instituto Sou da Paz é contrário à flexibilização e a perda do controle, ainda que parcial, pelo Estado é para evitar a possível migração do mercado legal de armas para o ilegal, criando uma situação de tráfico de armas”, especifica Marques. “O cidadão, mesmo bem-intencionado, que leve uma arma para dentro de casa, não tem o mínimo controle sobre essa arma o tempo todo”, diz o especialista, lembrando que armas são a primeira mercadoria exigida por ladrões em caso de furto em residências e em assaltos a empresas de segurança privada, que têm seus profissionais rendidos para furtar esses armamentos.

“Com mais armas em circulação, seja na casa das pessoas, seja com profissionais da segurança, mais armamentos ficam à disposição de criminosos que vão se valer do efeito surpresa e da incapacidade de uma pessoa comum de estar atenta 24h por dia para a execução de crimes”, conclui o diretor.

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