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Angola vai construir novas refinarias de petróleo e investir em energias verdes, afirma presidente

O presidente angolano, João Lourenço, recebe esta quinta-feira (2), o chefe de Estado Francês, Emmanuel Macron, em sua primeira visita a Angola. Em entrevista exclusiva à RFI, João Lourenço diz que seu país quer diversificar sua economia e investir em energias verdes. Ele também falou das mediações no processo de paz na República Democrática do Congo (RDC) e abordou questões como as relações entre Luanda e Paris, a guerra na Ucrânia e a presença do grupo Wagner em países africanos.

O presidente angolano, João Lourenço, em entrevista à RFI em Luanda, em 1º de Março de 2023.
O presidente angolano, João Lourenço, em entrevista à RFI em Luanda, em 1º de Março de 2023. © RFI/Lígia Anjos
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Lígia Anjos, enviada especial da RFI a Luanda

RFI: Esta é a primeira visita do presidente francês Emmanuel Macron a Angola, uma viagem que foi adiada por causa da pandemia. O que podemos esperar desta visita?

João Lourenço, Presidente de Angola: Embora seja uma visita curta, de poucas horas, em termos de importância política, para nós é bastante importante. É uma visita há muito esperada, que não aconteceu pelas razões que acabou de citar, mas costuma-se dizer antes tarde do que nunca. O que nós esperamos como resultado desta visita é que a presença dele aqui signifique o reforço das relações de amizade e de cooperação entre os nossos dois países, Angola e a França.

A diversificação da economia garantiu que o país criasse uma nova estratégia para o setor petrolífero com resultados positivos. A nova estratégia de seu governo passa pela aposta na construção de refinarias?

Não apenas, mas também porque nós concluímos não ser normal que um país como Angola, que tem uma grande produção de petróleo, não tivesse tido, até há bem pouco tempo, capacidade de transformar pelo menos parte do petróleo que explora. Portanto, Angola tem uma velha refinaria aqui em Luanda que até há relativamente pouco tempo tinha uma produção muito baixa. Nós conseguimos reabilitar essa mesma velha refinaria e hoje está produzindo cinco vezes mais do que produzia antes, pelo menos gasolina. Não tanto diesel, mas sobretudo a gasolina.

Mas uma coisa é reabilitar uma velha refinaria, mesmo tendo quintuplicado a produção, outra coisa é ter novas. Então, apostamos na construção de uma refinaria em Cabinda que vai produzir, a partir de dezembro deste ano, 30.000 barris por dia numa primeira fase e depois, numa segunda, mais do que isso.

Também [apostamos] em uma refinaria no Soio, com capacidade um pouco superior à de Cabinda, serão 100.000 barris por dia. Decidimos retomar também um projeto antigo, que foi iniciado e que por razões que ninguém entende foi interrompido, que é o da construção da grande refinaria do Lobito.

Portanto, Angola nos próximos três anos vai ser autônoma em termos de produtos refinados de petróleo. O nosso objetivo é deixar de importar diesel e gasolina, além do investimento em fontes renováveis de energia, já que a energia à base de fósseis tem os dias contados. O investimento em outras fontes deve ser feito hoje.

O setor hidroelétrico, por exemplo?

Não. Em termos de hidroelétricas não é novidade, não vamos começar agora. 64% da energia produzida em Angola já tem matriz hidroelétrica. Angola tem, neste momento, três grandes barragens: Capanda, Laúca e Cambambe, que estão ligadas em rede. Vamos concluir a maior de todas elas, a de Caculo Cabaça, que quando for terminada, vai produzir mais de 2.000 megawatts de energia. Com isso, Angola vai ser, nos próximos anos, autossuficiente em produção de energia. O nosso desafio é que essa energia seja maioritariamente de fontes limpas: hidroelétrica, solar, que também já demos os primeiros passos, ainda não entramos na eólica, mas vai acontecer algum dia e muito provavelmente passaremos a ser exportadores de energia.

O senhor dirigiu, na semana passada, em Adis Abeba uma reunião que debateu a situação de paz e segurança no leste da República Democrática do Congo. Por que, em seu entender, a paz ainda não se concretizou na região?

Uma guerra, um conflito armado, pode começar de um dia para o outro. É dar o primeiro tiro e começou. Terminar com esse conflito armado, com essa guerra, é muito mais difícil e leva tempo e não vale a pena termos a ilusão de pensar que é fácil e que, de um dia para o outro, pode-se acabar com um conflito. Aliás, estamos vendo agora o caso da Europa, desta guerra entre a Rússia e a Ucrânia que já dura um ano, e ninguém tem em vista quando vai terminar. Tudo está sendo feito no sentido de pôr fim a essa guerra, mas ninguém tem respostas muito plausíveis, por enquanto.

Com relação ao conflito na RDC, é o mesmo princípio. Portanto, não termos a ilusão de pensar que amanhã vai acabar. Se fosse possível, seria o ideal, mas a realidade não é bem assim. Nós conseguimos, depois da última cúpula de Luanda, um primeiro cessar-fogo que lamentavelmente foi sucessivamente violado. Estamos lutando para conseguir uma nova trégua e consequentemente a reinserção na sociedade congolesa dos integrantes do M23.

A cúpula de Adis Abeba incumbiu Angola de manter contatos diretos com o M23 no sentido de trabalhar com eles no cessar-fogo. Esses contatos já estão acontecendo, entre os chefes do M23 e as autoridades angolanas. Não temos ainda resultados, porque começaram há pouco tempo. E a mesma cúpula de Adis Abeba decidiu também que tão logo se consiga o cessar-fogo, deve haver a mobilização da força regional, da região da África do Leste que é composta por cinco países, dos quais apenas um, o Quênia, já tem as suas forças no terreno.

Portanto, precisamos trabalhar no sentido de que os outros países, a Tanzânia, o Burundi, o Sudão do Sul e a Uganda façam o mesmo. Sabemos que há dificuldades em mobilizar recursos para cobrir essa operação de desdobramento, mas o Conselho de Paz e Segurança da União Africana está trabalhando no sentido de mobilizar esses mesmos recursos.

Após um ano de guerra na Ucrânia, com pressões tanto russas como ocidentais, qual é a posição de Angola para manter um equilíbrio entre as partes?

É errado se falar em pressões. Nós somos um país soberano e temos a nossa capacidade de análise. Em função dessa capacidade de análise tomamos uma posição. A posição de Angola não é produto do processo de pressão nem de um lado, nem do outro. Nem da Rússia, nem do chamado Ocidente alargado.

Nós condenamos, em princípio, todas as guerras. Angola é um país que viveu décadas de guerra, sabe o que é uma guerra, as consequências de uma guerra, o sofrimento que traz aos povos e o prejuízo que traz às economias. Por estas razões, não desejamos guerra a ninguém, nem desejamos que ninguém seja vítima de uma guerra ou agredido por outro país. Angola foi agredida por forças externas pelo norte e pelo sul, ficamos completamente destruídos. Ainda hoje estamos tentando nos reconstruir. Portanto, não desejamos isso à Ucrânia e ao povo ucraniano.

Temos, repetidamente, levantado as nossas vozes no sentido de que a Rússia acabe com esta agressão contra o povo ucraniano e que procure chegar a um cessar-fogo imediato, iniciando um processo de negociações que garantam uma paz duradoura, não uma paz efêmera. Uma paz não só entre esses dois países vizinhos, povos irmão que falam quase a mesma língua, como se fosse o português e o espanhol, que têm uma história comum em muitos aspectos, mas que se desenhe e construa, definitivamente, uma paz duradoura para a Europa, martirizada por duas grandes guerras mundiais.

Em sua chegada ao poder, a luta contra a corrupção era uma prioridade. Que balanço se pode fazer agora, quanto à recuperação de ativos, por exemplo ?

Este processo de recuperação de ativos vem sendo realizado há algum tempo. Infelizmente, a recuperação não está sendo voluntária, salvo várias exceções, os ativos das pessoas visadas são tirados coercivamente, por força da Justiça angolana, mas não apenas. Temos que reconhecer que contamos com a cooperação de outros Estados, onde esses ativos se encontram, da Europa em particular.

O volume de ativos recuperados, físicos ou financeiros ou em participações em sociedades já é considerável. Devo dizer que o Plano Integrado de Intervenção de Municípios (PIIM) que está construindo muitas infraestruturas nos municípios, como escolas, pequenas unidades hospitalares e outros, está sendo financiado com recursos provenientes da recuperação de ativos. Os US$ 2 bilhões que injetamos no PIIM são recursos desta recuperação, para citar apenas este caso. Há outras infraestruturas como as fábricas têxteis, que dão emprego a jovens, são fruto da recuperação de ativos e outras várias.

Como o senhor reage às denúncias da repressão de protestos, como foi o caso em 10 de fevereiro em Benguela e Luanda, que levou ao cancelamento de manifestações?

A expressão repressão é muito forte. Não estamos num Estado repressivo, mas temos constatado que nem sempre as manifestações são tão pacíficas como deveriam. Em Angola, as manifestações não estão proibidas e, prova disso, é que todos os fins de semana há manifestações. Mas nem todas são iguais. Nem todas cumprem o que a lei estabelece, algumas são violentas, às vezes até violentas demais contra o património público, contra as forças policiais e, aí, o Estado tem que fazer valer a sua autoridade.

Todos nós acompanhamos o que acontece no mundo, no caso das manifestações em Paris com os famosos coletes amarelos, houve muita violência  e ninguém falou em repressão. Os manifestantes cumpriram a parte que lhes compete e a autoridade cumpriu a parte que lhe compete. Nos Estados Unidos, vemos a mesma coisa e nas grandes democracias vemos isso.

É evidente que o ideal será sempre que as manifestações sejam pacificas, que ninguém seja molestado, que não haja feridos, muito menos mortos. A democracia é uma festa e não pode haver repressão. Em Angola não existe repressão e a prova de que não existe é que todos sábados há manifestações.

De que forma o senhor interpreta a retirada da presença francesa de alguns países africanos, como Mali, Burkina Faso e RCA ?

Quem tem que interpretar esta situação é a própria França. Ela que deve por a mão à cabeça e indagar-se das profundas razões que estão na base desta rejeição, se é que assim se pode dizer, da presença francesa em alguns países, principalmente na região do Sahel. É preciso conversar e falar. E se o presidente Macron quiser falar comigo sobre este assunto, tenho a minha opinião que não direi agora, mas a ele direi com muito prazer.

O senhor recebeu recentemente os presidentes do Chade e da RCA. O que é possível fazer ou o que está sendo feito para estabilizar a fronteira entre o Chade e a RCA ?

A instabilidade desta fronteira hoje não é tão grande quanto era há dois anos. Houve algum progresso e precisamos trabalhar no sentido de não regressarmos ao passado, em que havia uma forte desconfiança entre os dois países. A RCA acusava o Chade de albergar os grupos rebeldes, que a partir do território chadiano realizavam ações no interior da República Centro Africana. Nós estivemos reunidos há dias, aqui em Luanda, com o objetivo de reforçar os laços de amizade e de cooperação entre os dois países vizinhos e acreditamos que vamos continuar a trabalhar no sentido de garantir uma estabilidade politica e militar melhor naquela fronteira.

Qual a sua percepção quanto à presença de tropas paramilitares Wagner na RCA?

Este é um assunto que nós temos evitado tratar nos nossos encontros com o Presidente Touadéra por considerarmos que é um acordo bilateral que ele fez com esta força. Tudo o que possa acontecer de bom ou de mau fruto deste pacto é da responsabilidade do país. A RCA terá as suas razões para esta aproximação. Não nos metemos em assuntos internos da República Centro Africana.

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