França: substituição de livros por tablets nas escolas preocupa governo
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A França está preocupada com os efeitos nocivos do uso excessivo de novas tecnologias no desempenho escolar das crianças e adolescentes. O governo do país começa a despertar para as consequências da substituição dos métodos tradicionais de aprendizado, como o livro, por tablets.
Daniella Franco, da RFI
O alerta veio do próprio ministro francês da Educação, Gabriel Attal, que nesta semana pediu “uma reação coletiva” ao excesso de exposição de crianças e adolescentes a tablets e smartphones. Em entrevista ao jornal Le Parisien, ele apontou para o risco de uma “catástrofe na saúde e educação” dos menores com o uso exagerado de novas tecnologias.
“Estudos mostram que telas em excesso resultam em menos sono e, consequentemente, menos atenção nas aulas. Isso também causa um impacto na aprendizagem da linguagem e na leitura”, afirmou.
As afirmações do ministro foram feitas após a divulgação, no início desta semana, dos resultados da última avaliação anual do Ensino Fundamental francês. Desde 2017 a cada início de ano letivo, em setembro, escolas examinam o nível de aprendizado dos alunos, que neste ano deixou a desejar.
Entre os resultados considerados “preocupantes” por Attal está os das sétimas séries, em que estudantes demonstraram ter graves problemas no domínio da língua francesa e principalmente na leitura. Muitas dificuldades também em matemática: mais da metade dos alunos da sétima série não conseguem fazer cálculos.
O governo percebe que o problema começa no momento em que as crianças ingressam no Ensino Fundamental. Desde 2017, quando a avaliação anual começou a ser realizada, o nível de aprendizado das primeiras séries não apresentou nenhuma evolução. Os professores relatam que os alunos têm cada vez mais dificuldades de atenção, de compreensão, além de apresentar muito cansaço e desinteresse – sintomas atribuídos ao uso excessivo de novas tecnologias na infância.
Digitalização da educação na França
O próprio governo francês investiu milhões de euros nos últimos dez anos em material tecnológico que vem substituindo os livros nas salas de aula. Uma associação formada por pais e mães de alunos, o Coletivo de Luta contra a Invasão Digital na Escola, critica a iniciativa, afirmando que ela aumenta o tempo de exposição das crianças e adolescentes às telas e dificulta o controle das famílias.
Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto BVA, 92% das crianças francesas tem seu próprio smartphone a partir dos 12 anos. Segundo o Médiamétrie, na França, adolescentes passam mais tempo com seus celulares e tablets do que nas escolas. Em média, por ano, são 1.200 horas diante das telas contra 900 horas nos estabelecimentos de ensino, diz o balanço.
A exposição às novas tecnologias, além de aumentar ao longo dos últimos anos, também vem ocorrendo de forma cada vez mais precoce. A utilização de tablets vem sendo realizada até mesmo em maternais da França, apesar da oposição de muitas famílias. Segundo o instituto Toluna Harris, na faixa dos 2 aos 5 anos, crianças francesas passam em média uma hora por dia diante de telas, ainda que a recomendação das autoridades locais de saúde seja de zero exposição antes dos 3 anos.
Embora haja poucos estudos sobre as consequências do uso das novas tecnologias nas salas de aula, há muitas pesquisas sobre os perigos da exposição de crianças às telas. A maioria delas aponta para problemas cognitivos, afetando principalmente a memória, a atenção e a coordenação.
Já o último relatório do Conselho Superior dos Programas escolares da França, que data do ano passado, é taxativo ao afirmar que a digitalização do ensino não resulta em uma melhora no desempenho dos alunos. Por isso esse órgão pede “cautela” no uso de suportes tecnológicos nas salas de aula.
O último relatório da Organização da ONU pra Educação e Cultura, Unesco, sobre a questão, divulgado neste ano, vai na mesma direção. O documento afirma que não há dados até o momento que a utilização de novas tecnologias nas escolas seja melhor do que os suportes tradicionais, como o livro.
O caso emblemático da Suécia
Um dos primeiros países a investir na digitalização do ensino na Europa, a Suécia tem dado marcha à ré no uso de tecnologias nas salas de aula. Desde o início deste ano letivo, em setembro, a Suécia levou os livros de volta às escolas.
O governo sueco investiu € 60 milhões (equivalente a cerca de R$ 307 milhões) nesse projeto e prevê mais € 40 milhões (R$ 205 milhões) para essa iniciativa em 2024 e 2025.
Para muitos especialistas, a Suécia avançou de forma exagerada na digitalização da educação, que inicialmente ocorreu a título experimental, há cerca de 15 anos, e tirou o livro das salas de aula. Nos últimos tempos, o excesso do uso das telas nas escolas do país vem sendo apontado como responsável pela queda no nível de aprendizado das crianças e adolescentes.
Uma pesquisa feita no ano passado nas escolas suecas mostrou que 20% dos alunos não escrevem mais à mão devido ao fim dessa prática nas salas de aula. A capacidade de leitura das crianças e adolescentes do país também vem diminuindo a cada ano.
A própria ministra da Ensino Primário da Suécia, Lotta Edholm, reconheceu o erro de digitalizar o ensino no país. Em entrevista ao jornal Expressen, ela lamentou “a falta de senso crítico” sobre a questão. Correndo atrás do prejuízo, cada aluno tem agora um livro para cada matéria, como nos velhos tempos.
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