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Um pulo em Paris

França: campanha do governo contra violência sexual aconselha mulheres a gritarem por ajuda e é ironizada nas redes

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O governo da França lançou nesta semana uma nova campanha para lutar contra a violência e o assédio sexual nos espaços públicos. Apesar das diversas iniciativas nos últimos anos, esse continua sendo um grave problema no país: nove em cada dez francesas dizem adotar todos os dias estratégias para evitar ser vítima de comportamentos sexistas nas ruas. No entanto, a forma como o Ministério do Interior resolveu tratar sobre a questão virou alvo de ironia nas redes sociais.

Nove em cada dez francesas dizem adotar todos os dias estratégias para evitar ser vítima de comportamentos sexistas nas ruas. Na imagem, duas mulheres caminham diante de uma colagem com a mensagem: "chega de assédio nas ruas", em Marselha, 23 de novembro de 2019.
Nove em cada dez francesas dizem adotar todos os dias estratégias para evitar ser vítima de comportamentos sexistas nas ruas. Na imagem, duas mulheres caminham diante de uma colagem com a mensagem: "chega de assédio nas ruas", em Marselha, 23 de novembro de 2019. AFP - CLEMENT MAHOUDEAU
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Daniella Franco, da RFI

Desde terça-feira (30), policiais e agentes de segurança pública de toda a França escolhem locais de grande circulação para abordar o público e distribuir folhetos informativos sobre a segurança das mulheres nas ruas. O objetivo é sensibilizar a população sobre como agir e incentivar quem é vítima de violências sexuais e sexistas a procurar delegacias para denunciar esses atos e registrar boletins de ocorrência.

A campanha tem início às vésperas do verão no Hemisfério Norte, quando as temperaturas sobem, os corpos estão mais à mostra, e o assédio nas ruas aumenta. Segundo o Ministério do Interior da França, a meta é distribuir cinco milhões de folhetos informativos até o final de setembro.

O sexismo ordinário continua assolando as francesas. Segundo o último relatório do Alto Conselho sobre a Igualdade entre Mulheres e Homens, divulgado em janeiro deste ano, 47% dos homens da França pensam que é normal abordar uma mulher desconhecida na rua para convidá-la para sair. Um quarto dos franceses da faixa etária de 25 a 34 anos acredita que às vezes é preciso usar violência para ser respeitado. O documento também mostra que 37% das mulheres do país já viveram uma situação de não-consentimento sexual.

Campanha polêmica

A iniciativa do governo, no entanto, causa polêmica. O formato escolhido para a campanha foi criticado por internautas nas redes sociais. Os folhetos explicativos aconselham as vítimas de violências sexuais a “fazerem barulho”, “alertar as pessoas ao redor” e “chamar a polícia o mais rápido possível”. Também recomendam que testemunhas tentem intervir, abordando o agressor e filmando os atos.

Flyers contra violências sexuais. Obrigada, agora me sinto muito mais em segurança”, ironizou uma internauta em resposta à divulgação da campanha no Twitter pelo ministro francês do Interior, Gérald Darmanin. “Que palhaçada! Comecem a punir os agressores de mulheres e crianças de forma apropriada. Chegou a hora de agir!”, diz outra usuária do Twitter.

Internautas também destacam que a polícia francesa, que até semanas atrás protagonizava agressões gravíssimas durante as manifestações contra a reforma da Previdência - agora é encarregada de instruir a população sobre violências.

Vários usuários do Twitter lembraram que o próprio ministro do Interior, Gérald Darmanin, foi acusado de estupro por uma mulher em 2017, um caso que foi encerrado no início deste ano por falta de provas. Embora nunca tenha sido provado que não houve consentimento, mensagens de celular trocadas entre o ministro e a suposta vítima mostraram que a relação sexual ocorreu em uma troca de favores.

Falhas na iniciativa

Organizações feministas reagiram ao lançamento da campanha e apontaram que boa parte dos policiais franceses não foi formado para acolher mulheres vítimas de violências sexuais e sexistas.

Uma das principais organizações feministas na França, Nous Toutes (Nós Todas), questiona o impacto que terá a campanha. “Distribuir somente cinco milhões de flyers em um país de 67 milhões de habitantes é pouco”, diz Maëlle Noir, membro da coordenação nacional do coletivo, em entrevista ao jornal Le Figaro.

Diariata N’Diaye, diretora da associação “Resonantes”, que milita contra as violências sexuais e sexistas, pergunta porque a nova campanha não visou diretamente os homens, sendo que em 86% dos casos de crimes e delitos sexuais e sexistas hoje na França as vítimas são as mulheres. “Acho que é problemático distribuir esses folhetos às mulheres. Elas já sabem que podem telefonar para a polícia se sentirem ameaçadas”, aponta, em entrevista à BFM TV.

No entanto, militantes feministas reconhecem que toda iniciativa é bem-vinda, de forma a incentivar as mulheres a registrar as violências juntos às autoridades. No final de 2022, o Ministério do Interior da França indicou que, nos últimos cinco anos, houve um aumento de 77% nos boletins de ocorrência de agressões contra mulheres.

Ainda assim, esses dados representam apenas uma parte do problema. Um estudo publicado em 2020 pelo Serviço de Estatísticas do Ministério do Interior da França apontou que menos de 10% das vítimas de crimes e delitos de caráter sexual fora da esfera da família procuram a polícia e registram boletins de ocorrência.

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