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Saúde em dia

Uso de anti-inflamatórios não-esteroidais pode induzir dor crônica, mostra estudo

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A pesquisa foi realizada por um grupo de 20 cientistas de quatro laboratórios diferentes em dois países e publicada em maio na revista Science Translational Medicine. Entre eles está o fisioterapeuta Lucas Vasconcelos Lima, da Universidade McGill, no Canadá, e outros três brasileiros.

O brasileiro Lucas Vasconcelos Lima ao lado de parte da equipe que participou do estudo da universidade canadense McGill.
O brasileiro Lucas Vasconcelos Lima ao lado de parte da equipe que participou do estudo da universidade canadense McGill. © Arquivo Pessoal
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Taíssa Stivanin, da RFI

O estudo foi dividido em três partes e incluiu a análise da base de dados britânica conhecida como UK Biobank, uma das maiores do mundo, com mais de 500 mil pacientes. 

“Avaliamos se havia uma correlação entre o uso de anti-inflamatórios não-esteroidais e a presença de dor crônica seis meses, um ano e dois anos após a primeira consulta na fase aguda”, explicou Lucas Vasconcelos à RFI. Os anti-inflamatórios sem esteroides bloqueiam a ação das prostaglandinas –  grupos de lipídios que atuam em diferentes processos orgânicos, incluindo a inflamação.

O efeito foi observado com doses normais de remédios como o ibuprofeno, um dos medicamentos anti-inflamatórios mais utilizados no Reino Unido. “Comparamos com outros analgésicos, que não são anti-inflamatórios, usados para a dor, como o paracetamol e antidepressivos, mas só o ibuprofeno mostrou essa correlação com o aumento da dor crônica”, reitera o pesquisador brasileiro. 

Um dos objetivos da equipe, explica, era analisar como ocorria essa transição da dor aguda para a crônica. A dor aguda tem um importante papel, lembra o cientista brasileiro, e sua função é proteger o organismo. “Quando você encosta em uma panela quente é importante que você sinta dor para aprender a se afastar e proteger a área que foi lesionada”, salienta. 

Segundo ele, normalmente a dor desaparecerá no máximo em três meses, com a reparação dos tecidos e a cicatrização. Em algumas pessoas, entretanto, ela se torna crônica, mesmo após o desaparecimento da lesão. “Essa dor deixa de ter uma função protetora e se torna, por si só, uma doença”, observa.

Genética conta

A propensão a desenvolver a dor crônica também foi estudada pela equipe. Para isso, o laboratório de genética da universidade Mc Gill, envolvido no estudo, coletou sangue de pacientes que tiveram dores lombares, no momento da crise aguda, e após três meses. 

Os curados, ou seja, que não desenvolveram dores crônicas, ativavam genes associados à inflamação, enquanto no outro grupo, nada foi detectado. “Aparentemente, nada aconteceu. É como se o sistema imune tivesse estagnado, sem nenhuma alteração”, observa.

O fisioterapeuta brasileiro Lucas Vasconcelos Lima, pesquisador da universidade McGill, no Canadá.
O fisioterapeuta brasileiro Lucas Vasconcelos Lima, pesquisador da universidade McGill, no Canadá. © Arquivo Pessoal

A partir desse dado, surgiu a hipótese de que o processo inflamatório tinha uma função protetora. Os pesquisadores então desenvolveram a terceira parte do estudo, em camundongos. A ideia, conta Lucas Vasconcelos, era descobrir se o bloqueio da inflamação com medicamentos poderia desencadear a dor crônica. 

A equipe testou diferentes “modelos” de dor: inflamatória, neuropática, e lombares, por exemplo. Em seguida, os animais foram tratados com a dexametasona, um corticoide com um potente efeito anti-inflamatório. “O tratamento com dexametasona aumentou a duração da dor de 12 para 120 dias”, conta.

Os pesquisadores também testaram o diclofenaco, outro anti-inflamatório não-esteroide, e analgésicos que não têm ação anti-inflamatória, como a morfina, a lidocaína e a gabapentina. Apenas o diclofenaco prolongou a dor, o que corrobora a conclusão da análise dos dados da UKBiobank.

Tratar dor sem anti-inflamatórios

“O processo inflamatório tem a função de remover bactérias, infecções e células mortas, para então promover o reparo tecidual. Interferindo nesse processo, você impedirá que o corpo desenvolva seu procedimento normal de reparo dos tecidos e resolução da dor”, ressalta o pesquisador. 

A equipe ainda descobriu ao longo do estudo que a resposta à inflamação também pode estar condicionada à produção dos neutrófilos, células sanguíneas do chamado sistema imune inato, produzidas na fase inflamatória. Isso pode gerar pistas para a produção de futuros medicamentos.

Por enquanto, a hipótese é que o ideal seria tratar a dor aguda sem anti-inflamatórios, para não interferir no processo de reparo tecidual e resolução da dor. A equipe agora espera desenvolver em breve o estudo clínico com humanos, para comprovar o que demonstrou a pesquisa com animais.

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