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Saúde em dia

Em livro, psiquiatra francês explica como conviver com a mentira

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Por que todos nós mentimos? Qual o mecanismo do processo psicológico que se repete desde os primórdios da humanidade? Por que uma mentira atrai outra? O psiquiatra francês Patrick Clervoy, autor do livro Vérité ou Mensonge (Verdade ou Mentira, em tradução livre), estuda esse mecanismo psicológico universal e conversou com a RFI sobre os múltiplos aspectos da mentira e dos mentirosos.

O psiquiatra francês cita o presidente americano, Donald Trump, como um exemplo de mentiroso cujas lorotas foram socialmente aceitas
O psiquiatra francês cita o presidente americano, Donald Trump, como um exemplo de mentiroso cujas lorotas foram socialmente aceitas Andrew CABALLERO-REYNOLDS AFP/File
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O psiquiatra francês conta que, durante sua carreira, ficou “intrigado” com a dificuldade que a maioria das pessoas tinha em denunciar uma mentira ou o comportamento de um mentiroso, o que levou a escrever uma obra sobre o tema.

“Há uma tendência geral em aceitar espontaneamente a mentira alheia, como se as pessoas dissessem: ok, ele está mentindo, nós aceitamos, é assim”, explicou o especialista durante o programa da RFI Priorité Santé. Um comportamento que ele julga “preocupante” para a sociedade, sobretudo em tempos de fake news e desinformação.

Ele cita como exemplo a eleição do ex-presidente americano Donald Trump, que mostrou como uma nação inteira pode aceitar e colocar no poder um candidato que contava mentiras, incluindo, por exemplo, falsas informações sobre a Covid-19. O comportamento de Trump no início da pandemia e o desrespeito do próprio presidente à regras de proteção resultou em situação sanitária catastrófica nos EUA.

Como podemos definir a mentira? Ela é vista como uma forma de manipulação que visa interferir na ação do interlocutor, que poderia ser diferente caso soubesse a verdade. Em geral, a mentira se opõe à sinceridade ou à franqueza. Em suma, o mentiroso reinterpreta seu próprio discurso com a intenção de enganar e obter, em troca, algum tipo de benefício.

“O mentiroso é alguém que se dissimula usando a aparência, palavras ou enunciados que ele quer que o outro tome como verdade”, exemplifica o autor francês.

Há exemplos de mentirosos na própria natureza, diz o psiquiatra. Um deles é o cuco, um pássaro que não constrói seu próprio ninho e não cuida de seus fihotes. Seus ovos se parecem com o de outras espécies, como o rouxinol. Sua estratégia consiste em retirar um ovo do ninho do rouxinol e colocar o seu no lugar.

O bebê cuco, depois de nascer, expulsa os outros passarinhos, mas continuará sendo cuidado pelo rouxinol, apesar de todas as diferenças físicas perceptíveis entre as duas espécies, incluindo o tamanho. O povo, quando aceita um dirigente como Trump, compara o especialista, age como o rouxinol, aceitando as trapaças apesar de todas as evidências. Em seu livro, ele denomina esse comportamento de "síndrome do rouxinol."

A mentira pode se tornar patológica e deixar de ser simplesmente um comportamento societal? Patrick Clervoy lembra que todos nós, em situações e circunstâncias diferentes, já mentimos alguma vez na vida. Um exemplo é quando somos convidados para jantar e elogiamos um prato que, na verdade, não apreciamos tanto assim – uma mentira inofensiva, que provavelmente todos nós já contamos.

Capa do livro do psiquiatra francês Patrick Clervoy, "Vérité ou Mensonge" (Verdade ou Mentira em tradução livre).
Capa do livro do psiquiatra francês Patrick Clervoy, "Vérité ou Mensonge" (Verdade ou Mentira em tradução livre). © Divulgação

Insistir na mentira

“Mentir não é patológico, mas insistir em uma mentira, e não conseguir se desvencilhar dela, mostra uma dificuldade, ou uma patologia”, sublinha. No teatro, no cinema ou na literatura não faltam exemplos de personagens mentirosos. O mais célebre deles é Pinóquio, o boneco que vira humano quando, no fim da história, aprende a parar de mentir. O psiquiatra lembra que a mentira tem, de todo modo, um lado “teatral. ”

DR

“Sempre há um jogo, como no teatro, entre a verdade e a mentira, e o papel que cada um de nós assume neste jogo. Não é apenas o mentiroso que participa dele. Há também o crédulo, que se opõe à ideia que a verdade venha à tona”, diz.

Como saber, nas relações sociais, se estamos diante de um mentiroso ou não? Para o psiquiatra, é impossível iniciar ou manter um relacionamento, amoroso, de amizade ou profissional, sem confiança. “Devemos dar, por princípio, um voto de confiança, mas ter uma postura vigilante, observando, verificando”, declara. “Nossa vida é difícil porque temos que de maneira permanente, julgar a qualidade da relação de confiança”, resume.

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