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"A ciência é algo mágico", diz pesquisadora brasileira ganhadora de prêmio na Unesco em Paris

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Num mundo em que as mulheres têm menos espaço na ciência, a professora e pesquisadora brasileira Suzana Nunes recebe em Paris, nesta quinta-feira (15), um dos prêmios mais importantes para promover a igualdade de gênero e a apoiar jovens e meninas a seguirem carreira nos laboratórios. Ela é uma das agraciadas da 25ª edição do prêmio internacional L'Oréal-Unesco para mulheres na ciência. 

Professora Suzana Nunes
Professora de Química, Ciência e Engenharia Ambiental,
e Vice-Chanceler para Assuntos Acadêmicos e do Corpo Docente, Universidade King Abdullah
Professora Suzana Nunes Professora de Química, Ciência e Engenharia Ambiental, e Vice-Chanceler para Assuntos Acadêmicos e do Corpo Docente, Universidade King Abdullah © Divulgação
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Maria Paula Carvalho, da RFI

As pesquisadoras atualmente representam apenas um terço dos profissionais da área. Essa proporção cai quase pela metade em posições de responsabilidade. Menos de 4% dos prêmios Nobel foram concedidos a cientistas mulheres. 

Com uma trajetória internacional iniciada na Unicamp, em Campinas, a professora de Química e Ciências Ambientais Suzana Nunes trabalha atualmente na Arábia Saudita, depois de uma passagem pela Alemanha. Aos 64 anos, a professora foi premiada pelo seu trabalho no desenvolvimento de filtros e membranas de alta precisão inovadoras, permitindo purificar ou separar recursos valiosos, como água, petróleo ou compostos farmacêuticos de forma mais eficiente e usando muito menos energia do que os métodos tradicionais. 

“Minha motivação é realmente em termos de ter tecnologias que possam facilitar essa transição para um mundo mais sustentável”, ela explica em entrevista à RFI Brasil. “Essas membranas são como filtros, como peneiras muito finas que têm poros 100 mil vezes menores do que um fio de cabelo”, compara.  

Atualmente, cerca de 50% da energia consumida pela indústria química é usada para separar produtos. Ao desenvolver filtros específicos para cada tipo de separação, a pesquisadora revoluciona as abordagens convencionais com soluções inovadoras e viáveis, além de sustentáveis e em larga escala, reduzindo assim a emissão de gases de efeito estuda e a pegada de carbono da indústria. 

“No Oriente Médio, 60% da água potável vem do mar e isso é feito por um processo de membranas. Isso é algo que já existe há um certo tempo, mas a minha intenção é transferir essa tecnologia de membranas também para a indústria química, para substituir processos industriais que hoje em dia consomem muita energia”, afirma.

Seguindo uma vocação

A paixão pela descoberta científica começou muito cedo. Suzana Nunes conta que ainda criança ganhou um kit de química e adorava “a magia contida” nessa atividade. Ela seguiu essa vocação ao ingressar em uma escola secundária especializada em química. Depois vieram a universidade, o doutorado e o pós-doutorado. 

“Quando eu tinha 15 anos, houve um acidente industrial de descarte de produtos químicos no rio perto da minha casa e isso me chamou muita atenção”, relembra. “Eu queria contribuir para que isso não acontecesse mais. Eu comecei a ler sobre diferentes incidentes que ocorreram no mundo todo, em termos ambientais, perda de biodiversidade. Isso tudo me atrai bastante”, completa.  

A carreira que só foi possível porque a jovem estudante teve oportunidades – o que não é uma realidade para muitas jovens no mundo. O prêmio L'Oréal-Unesco é uma tentativa de promover a igualdade e apoiar mulheres na ciência. Cada uma das cinco vencedoras ganhará € 100 mil.

“Eu acho que ter a oportunidade de ser exposto à ciência desde cedo é muito importante, porque você só vai saber se gosta de ciência, se é algo que você sabe que existe”, avalia Suzana.  

Até hoje, o prêmio L'Oréal-Unesco já apoiou mais de 4.100 pesquisadoras de todo o mundo, distribuindo todos os anos um prêmio de excelência na área e concedendo a jovens cientistas bolsas de doutorado e pós-doutorado em mais de 110 países. 

Ao longo desses 25 anos, 127 mulheres cientistas de 42 nacionalidades já foram agraciadas com a condecoração, e cinco delas receberam também o Prêmio Nobel. A gratificação dá visibilidade às conquistas das mulheres em áreas como a matemática, a biologia, a neurociência, a física, a medicina ou a agronomia. 

“É uma honra muito grande. É um reconhecimento do meu trabalho e uma responsabilidade muito importante que é de inspirar", destaca. “Espero que com esse prêmio eu possa inspirar jovens pesquisadores ou jovens meninas para que vejam a ciência como um caminho natural”, acrescenta. "A ciência é algo mágico e divertido também, não é só dificuldade. Acho que a gente associa sempre a algo muito excepcional. Mas que tem um papel importante em diversos aspectos da nossa vida cotidiana”, completa.  

"Brasil precisa investir em ciência"

Em 2013, as mulheres representavam 28% dos pesquisadores em todo o mundo. Hoje, elas são 33%, o que ainda é distante da paridade. As mulheres que prosseguem uma carreira científica ainda enfrentam muitos desafios e apenas uma pequena proporção delas ocupa cargos de direção, o que as impede de liderar grandes projetos em pesquisa científica, servindo de modelo para as novas gerações.   

Suzana Nunes não é a primeira brasileira a receber essa honraria. Em 2013, a física gaúcha Márcia Barbosa, atual secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), recebeu o prêmio  L'Oréal-Unesco em recompensa à descoberta de uma anomalia da molécula da água. Ela irá entregar um dos prêmios na cerimônia desta noite, em Paris. 

Na Europa, as mulheres ocupam 18% de posições científicas seniores, e constituem apenas 12% dos membros de academias nacionais de ciências do mundo.   

“Eu acho que o Brasil precisa investir mais em ciência. Há pessoas com muito talento no Brasil e que precisam ser respeitadas e ter muito mais suporte”, ressalta Suzana. “E o Brasil tem áreas muito importantes para proteger, como a biodiversidade, proteger todo o seu tesouro. Mas isso só é possível com investimento em ciência”, observa.  

Neste contexto, Suzana destaca a urgência do combate às mudanças climáticas, com a necessidade de um novo modelo de desenvolvimento – para o qual a ciência tem papel central. “Isso tem que ser mais do que claro: a gente precisa agir imediatamente. É mais do que óbvio que problemas climáticos existem e isso é algo que não se pode negar", alerta. “A gente precisa agir de todos os lados, todos os tipos de fronteiras e ciência, para combater isso, para salvar o planeta mesmo. Eu acho que não é demais falar isso para a nova geração”, conclui.  

Universidade saudita

Desde 2009, Suzana Nunes vive na Arábia Saudita, onde é vice-reitora da Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah (KAUST). Segundo ela, 39% dos estudantes da instituição são do sexo feminino. A professora recebeu o prêmio L'Oréal-Unesco representando a África e Oriente Médio. 

“A universidade na Arábia Saudita é completamente internacional. Nós temos mais de 100 nacionalidades no campus e mais de 60% dos estudantes são internacionais”, diz. “Então, é uma convivência, uma troca de experiência com colegas e estudantes do mundo inteiro e com condições excelentes para pesquisa em termos de equipamentos. A Arábia Saudita está evoluindo rapidamente nos últimos anos”, acrescenta.  

Quando perguntada sobre os movimentos conspiracionistas e anticiência que despontaram no mundo, ela é categórica: “Não se pode permitir que se questione a ciência. A ciência é um fato e é a solução. Acredite. Mesmo morando fora, eu vi o que aconteceu no Brasil e acho que o impacto que esse tipo de atitude tem é contra o Brasil e a sua reputação”, diz, sem citar um caso específico. 

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