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Linha Direta

Em meio a escândalos, Portugal cria questionário para checar antecedentes de indicados a cargos no governo

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O governo português vai começar a aplicar um questionário com 36 perguntas a pessoas que sejam indicadas a ocupar cargos políticos. A medida acontece depois de uma série de escândalos que levou à demissão de seis ministros e secretários em apenas dois meses.

O primeiro-ministro português, António Costa (de pé no centro), responde a um deputado durante o debate no parlamento em Lisboa, em 11 de janeiro de 2023.
O primeiro-ministro português, António Costa (de pé no centro), responde a um deputado durante o debate no parlamento em Lisboa, em 11 de janeiro de 2023. AP - Armando Franca
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Caroline Ribeiro, correspondente da RFI em Lisboa

O questionário tem como objetivo recolher mais informações sobre os últimos três anos de vida profissional e financeira dos indicados. As perguntas são variadas e abordam também possíveis impedimentos e conflitos de interesses, questões relacionadas a patrimônios e envolvimento em processos na Justiça. Os indicados também devem responder sobre os mesmos assuntos em relação à vida de familiares próximos.

Durante uma audição no parlamento, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, explicou que o questionário é “um instrumento político” para que o governo tenha “mais avaliações sobre a escolha” de novos membros.

O questionário foi apresentado este mês pelo primeiro-ministro, António Costa, do Partido Socialista, em resposta às pressões que o governo vem sofrendo por causa de escândalos expostos pela imprensa.

No último dia 5, a então secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, pediu demissão depois que o jornal Correio da Manhã revelou a existência de uma conta bancária conjunta com seu marido bloqueada por causa de um processo. O marido é acusado de corrupção e prevaricação pelo Ministério Público. Carla Alves tinha assumido o cargo há apenas 25 horas antes da denúncia vir à tona.

Tanto o primeiro-ministro quanto a ministra da Agricultura, que indicou a secretária, disseram não ter conhecimento sobre a conta bloqueada, nem de detalhes sobre o processo contra o marido de Carla Alves.

Indenização

No final do mês de dezembro, o mesmo jornal revelou que a então secretária do Tesouro, Alexandra Reis, recebeu uma indenização de € 500 mil (quase R$ 2,8 milhões) quando deixou o cargo de administradora da companhia aérea estatal TAP para ser nomeada para um outro cargo no Governo. A secretária foi demitida pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, que afirmou desconhecer o caso.

Alexandre Reis ficou apenas um mês na pasta do Tesouro. Na sequência do episódio, o então ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nunos Santos, que autorizou o pagamento da indenização, pediu demissão, junto com os dois secretários de Estado do mesmo ministério.

Em novembro, o então secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, pediu demissão no mesmo dia em que foi acusado pelo Ministério Público de um crime de prevaricação quando era prefeito de um município do interior. Alves passou menos de dois meses no cargo.

Para o cientista político e professor da Universidade de Lisboa António Costa Pinto, Portugal passa por “uma situação inédita” envolvendo um governo que tem a maioria absoluta dos deputados no parlamento.

“Esta instabilidade não era esperada. Não aconteceu quando o governo era minoritário”, avalia o cientista político.

“O que se tem passado nas últimas semanas com o governo socialista prova que, seja o partido, seja o primeiro-ministro, não faz e não fez o escrutínio político para o recrutamento para o seu governo, isso em uma fase das democracias europeias em que, quer a comunicação social, quer a sociedade, está muito mais atenta à qualidade dos seus governantes e ao seu passado em termos de ética política”, diz Costa Pinto.

Governo estável

Ainda assim, o cientista político avalia que o governo está “estável no parlamento e com o presidente da República”, e considera que a criação do questionário para verificar os antecedentes de pessoas no governo é um mecanismo positivo.

“O questionário é uma medida evidentemente de emergência, mas é um passo positivo. Tem duas vantagens. É confidencial e permite ao governo ter mais confiança sobre o passado desses governantes. E, como está associado a uma declaração de honra, tem um motivo imediato para demissão caso surja algum problema. Esta solução é melhor do que colocar outras instituições políticas responsáveis por este tipo de inquérito, porque podem ferir as liberdades individuais e até a própria constituição. Este sistema é melhor, por exemplo, do que o sistema da democracia americana, em que é o congresso que realiza esse trabalho”, compara o analista.

A aplicação do questionário já está em vigor e será feita a partir do próximo indicado a um cargo no governo.

Depois da crise com a demissão da secretária da Agricultura, António Costa enfrentou uma moção de censura no parlamento, que não foi aprovada.

Irregularidades

Atualmente, a pedra no sapato do governo é uma investigação sobre possíveis irregularidades em contratos de consultorias quando o atual ministro das Finanças, Fernando Medina, era presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que equivale ao cargo de prefeito.

A imagem do governo perante a sociedade portuguesa parece estar abalada. De acordo com uma pesquisa divulgada pelo jornal Diário de Notícias, o primeiro-ministro está com um saldo negativo na avaliação dos entrevistados. Entre os que responderam à sondagem, 47% acreditam que António Costa chegará ao fim do mandato, previsto para outubro de 2026, mas 41% acham que o governo pode cair antes, sendo preciso que o presidente da República convoque novas eleições.

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