Acessar o conteúdo principal
Linha Direta

Oposição busca novo líder na Venezuela após EUA retirarem apoio a Guaidó

Publicado em:

Os Estados Unidos voltaram a destacar nesta terça-feira (3) que consideram ilegítimo o governo do presidente Nicolás Maduro. A declaração aconteceu poucos dias após a oposição venezuelana colocar fim ao governo interino de Juan Guaidó. Às vésperas das eleições primárias rumo às presidenciais, até o momento não há liderança opositora na Venezuela.

L'opposant Juan Guaido lors d'une conférence de presse au quartier général de son parti Voluntad Popular, à Caracas, le 12 août 2022.
L'opposant Juan Guaido lors d'une conférence de presse au quartier général de son parti Voluntad Popular, à Caracas, le 12 août 2022. © Matias Delacroix / AP
Publicidade

Elianah Jorge, correspondente da RFI na Venezuela

Pela primeira vez, o Departamento de Estado americano anunciou não reconhecer a presidência interina de Juan Guaidó. O líder de oposição contava com o apoio dos EUA desde janeiro de 2019, quando o jovem político se autoproclamou presidente da Venezuela. 

Guaidó, que chegou a ser reconhecido por dezenas de países como o verdadeiro dirigente da Venezuela, prometia o fim da usurpação de poder, um governo de transição e eleições livres. Porém, a meta de tirar Nicolás Maduro do comando não funcionou.

Por 72 votos a favor, 29 contra e oito abstenções, a oposição – liderada pelos partidos Primeiro Justiça, Ação Democrática e Um Novo Tempo – decidiu na última quinta-feira (29) que Juan Guaidó não continuará à frente da presidência interina da Venezuela. 

Até o fechamento desta edição, Guaidó mantinha em suas redes sociais a descrição de “Presidente (I) da República Bolivariana da Venezuela”. 

Por sua vez, o Departamento de Estado de Washington passou a reconhecer como liderança os membros da Assembleia Nacional eleita em 2015, ao considerar que Maduro "não é o dirigente legítimo da Venezuela".

Em uma entrevista exibida no último domingo, Maduro afirmou estar pronto para normalizar as relações com os Estados Unidos

Os partidos – que antes apoiavam Guaidó e participaram do interinato – disseram que o governo interino "deixou de ser útil", além de não convocar eleições e enfrentar escândalos de corrupção. 

A Assembleia Nacional de 2015, escolhida por voto popular e que levou o maior número de opositores ao Parlamento venezuelano, após eliminar o governo interino de Guaidó, assumiu “poderes especiais” e decidiu estender seu mandato por mais um ano. Isto pela terceira vez consecutiva desde que as eleições parlamentares de 2020 foram denunciadas como fraudulentas pela oposição.

O grupo opositor tomou a frente na administração de ativos venezuelanos no exterior que ainda estão nas mãos da oposição. A Assembleia de 2015 também revogou todas as estruturas governamentais, entre elas as embaixadas e representações diplomáticas, que respondiam a Guaidó. 

Maria Teresa Belandria, empossada por Guaidó como embaixadora da Venezuela no Brasil, cessou suas funções e entregou o cargo após a votação opositora determinar o fim do interinato.   

O grupo de deputados eleitos em 2015 manteve apenas algumas lideranças, entre elas as diretorias da Citgo, sucursal localizada nos Estados Unidos da estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA), nomeada por Guaidó. As diretorias do recém-criado Conselho de Proteção e Administração de Ativos e do Conselho de Administração de Despesas também foram poupadas. 

Para Daniel Varnagy, doutor em ciência política e professor titular da Universidade Simón Bolívar, a liderança do interinato durou apenas “alguns meses”, entre janeiro e abril de 2019 – período entre a ascensão de Guaidó e o fracassado levante organizado por ele e Leopoldo López contra o governo Maduro.

“Em abril, percebeu-se que essa liderança estava na figura de (Leopoldo) López e não na de Guaidó. Aí começou uma curva de decepção importante sobre o tema da liderança”, explica o analista.

Preocupação com toneladas de ouro na Inglaterra

Uma das preocupações da oposição que rejeitou a continuidade do governo interino recai sobre as 31 toneladas de ouro, avaliadas em quase US$ 1 bilhão (mais de R$ 5 bilhões), que estão guardadas em um banco na Inglaterra. Os deputados de oposição temem que esse patrimônio volte à tutela do governo Maduro, que consideram “ilegítimo”.

Freddy Guevara, do partido Vontade Popular (VP, o mesmo que Guaidó), e Juan Miguel Matheus (Primeiro Justiça) afirmaram que se o patrimônio no exterior passar às mãos do governo Maduro, os governos britânico e americano "terão que responder por entregar os bens a um violador de direitos humanos". 

Guevara destacou que “os responsáveis ​​​​pela perda do ouro serão aqueles que votaram para dissolver o interinato".

Apesar do alto índice de rejeição, o governo da Venezuela se mantém sob os poderes de Maduro, sublinha Varnagy. “A legitimidade do cargo está claramente sobre os ombros do senhor Maduro", diz. "Tanto é assim que quase todos os países que querem ou buscam restabelecer qualquer tipo de relação com a Venezuela o fazem através do governo de Maduro e não através do que era o interinato”, aponta o cientista político.

Nos últimos meses, Maduro foi tirado do ostracismo político internacional. Entre as mudanças, ele passou a ter um forte papel nos diálogos de paz entre o Exército de Libertação Nacional (ELN) e o governo da Colômbia. Após anos fechadas, as fronteiras entre os dois países foram reabertas. O novo presidente colombiano de esquerda, Gustavo Petro, apoia a volta da Venezuela ao sistema de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA).

Outra mudança significativa veio por parte da Espanha, que nomeou um embaixador na Venezuela após dois anos de crise política. Já no Brasil, antes rejeitado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, Maduro foi convidado a participar da posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

Cenário complexo para oposição

De acordo com o calendário eleitoral venezuelano, as eleições presidenciais estão previstas para acontecer no final de 2024. O governo Maduro, desde o ano passado, (2022) está em campanha. Já a oposição encontra-se em uma situação complexa, na avaliação de Varnagy. “Neste momento, a liderança opositora está tão baixa como quando havia o interinato, com níveis de expectativa e de confiança extremamente baixos”, afirma. 

Em tempos de cargos vagos, antigos nomes da oposição, até então discretos no cotidiano político, voltaram à cena. É o caso de Maria Corina Machado, coordenadora do partido Vente Venezuela, que convocou os cidadãos a participar da renovação da liderança de oposição. Nas redes sociais, ela pediu a seus seguidores que “neste 2023 façamos a substituição e completemos o trabalho". Segundo ela, a oportunidade de mudança é real. "Não a deixaremos passar”, exortou. 

Para o cientista político Varnagy, embora alguns grupos se intitulem opositores, há certa flexibilidade deles com o governo Maduro.

“O fortalecimento da oposição é obrigatório. No entanto, tenho sérias dúvidas de que se forme uma oposição política. Há muitos grupos de interesse nisso que chamamos de 'oposição'. E esses grupos de interesse econômico se reúnem permanentemente com o governo (de Maduro) e estão tentando passar à frente nessas, entre aspas, negociações."

Durante o seminário “Perspectivas Venezuela 2023”, organizado pela Universidade Católica Andrés Bello, a mais importante do país, ficou claro que o cenário político venezuelano tende a poucas mudanças. Varnagy respalda a análise e destaca que o chavismo possui uma importante carta na manga.

“Ao fazer as (eleições) primárias da oposição, é possível que vários candidatos que ainda não apareceram queiram se apresentar. Mas, caso essas primárias tenham sucesso e mais força, mais rápido o governo nacional buscará adiantar as eleições, talvez antecipando até para o final deste ano (2023), de maneira a não dar tempo à oposição para aglutinar forças em torno do candidato ou da candidata que seja eleita nas primárias”, conclui o especialista.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.