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Linha Direta

Com a volta de Lula ao poder, é hora de organizar uma cúpula Brasil-África?

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O ano de 2023 deve ser marcado pela retomada da participação do Brasil no cenário internacional. “E a África, certamente, deve ser uma das prioridades do presidente Lula”, enfatizou João Bosco Monte, presidente do Instituto Brasil-África (IBRAF). Algo que também foi recentemente mencionado pelo futuro chanceler brasileiro, Mauro Vieira.

A consultora sul-africana especializada em Desenvolvimento Sibahle Magadla
A consultora sul-africana especializada em Desenvolvimento Sibahle Magadla © Vinícius Assis/RFI
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Vinícius Assis, correspondente da RFI em Adis Abeba

O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim também falou desta prioridade no próximo governo durante a décima edição do Fórum Brasil-África, organizado pelo IBRAF, em São Paulo, no fim do mês passado. “O presidente brasileiro precisa definir um calendário para o início dessas atividades”, disse João Bosco.

Nos bastidores da União Africana, com sede na capital etíope, e entre algumas organizações que tratam de cooperação internacional, já há uma grande expectativa sobre essa reaproximação desde o resultado do segundo turno da eleição presidencial brasileira. Em Adis Abeba a reportagem entrevistou o representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, sigla em inglês) na Etiópia.

Turhan Saleh é um dos que concordam que está na hora de se organizar uma cúpula Brasil-África. Ele destaca as semelhanças entre as duas partes. “Como o Brasil se industrializou? O Brasil tem um setor agrícola globalmente competitivo e extremamente bem-sucedido. Como isso aconteceu? O Brasil tem programas sociais muito importantes que foram lançados para lidar com a pobreza. Como foi isso?”, questionou-se, defendendo uma troca de ensinamentos.

E para contrariar os que ainda associam esta região do planeta apenas à pobreza, Turhan destacou que a África é um importante mercado, parceiro político e um lugar para se inovar. “Há um incrível apetite de uma população jovem para inovação, para fazer as coisas de maneira diferente. Eu acho que seria ótimo ter uma cúpula Brasil-África, para impulsionar a cooperação Sul-Sul,” colocou.

População mais jovem do mundo

Com mais de 1,3 bilhão de habitantes, o continente africano tem a população mais jovem do mundo, com uma idade média que não passa de 20 anos. Estima-se que até 2050 um quarto da população mundial (25%) será africana. “Está mais do que na hora do Brasil convidar os seus amigos, parceiros do outro lado do Atlântico, para conversar e identificar oportunidades comuns”, frisou o presidente do IBRAF.

O cientista político Jakkie Cilliers (à esquerda) no lançamento do mais novo livro em Adis Abeba, capital da Etiópia.
O cientista político Jakkie Cilliers (à esquerda) no lançamento do mais novo livro em Adis Abeba, capital da Etiópia. © Vinícius Assis/RFI

Quem defende a ideia da cúpula Brasil-África deixa bem claro que cooperações em setores como agricultura, mineração e tecnologia não têm nada a ver com doações internacionais para assistência humanitária. As crises existem em várias partes da África, assim como as oportunidades. João Bosco também diz esperar “que mais africanos entendam que, não apenas China, Estados Unidos e União Europeia, mas também o Brasil pode ser um parceiro fundamental.”

Se esta reportagem fosse uma retrospectiva do ano de 2022 sobre o segundo continente mais populoso do mundo, certamente um fato não ficaria de fora: a cúpula Estados Unidos-África, que aconteceu no início deste mês, em Washington, oito anos depois da edição anterior, e reuniu representantes de quase 50 países africanos.

Presente de Natal americano

Depois de três dias, o presidente Joe Biden anunciou o que, sem dúvida, pode ser considerado um presentão de Natal para a África: o apoio dos Estados Unidos para que a União Africana possa fazer parte do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, e US$ 55 bilhões em investimentos, valor mais alto do que o prometido pela China (US$ 40 bilhões) no fim do ano passado, no Fórum de Cooperação China-África. A União Africana, criada em 2002, tem 55 membros, representando 54 países africanos e o Saara Ocidental, que ainda não é um Estado internacionalmente reconhecido. Atualmente a África do Sul é o único país africano que faz parte do G20.

Os anúncios foram destaque nos principais jornais do continente. As reações foram do otimismo à desconfiança. A consultora sul-africana especializada em Desenvolvimento Sibahle Magadla prefere esperar um pouco para tirar conclusões. “O principal ponto é: o mercado africano ganhará espaço na economia dos Estados Unidos? Esses investimentos se traduziriam em benefícios econômicos para os países africanos ou não? Até agora, as promessas parecem boas, mas vamos acompanhar e ver se isso se refletirá na geração de empregos e crescimento econômico de países africanos. Veremos e monitoraremos nos próximos anos”, disse. A promessa de Biden é que os US$ 55 bilhões sejam investidos na África nos próximos três anos.

Para o representante do UNDP na Etiópia é também importante mudar a narrativa sobre África. “Não é só um lugar de crises, onde se oferece assistência de desenvolvimento. É um mercado, fonte de inovação, pode impulsionar o comércio. É um lugar de oportunidades. Isso envolve não só governos, mas engajamento do setor privado”, destacou. Sobre as promessas de Biden, Turhan as considerou positivas. “Se o engajamento for sustentado, África sente que há uma parceria a longo prazo, não algo momentâneo”, completou.

Não é de hoje que governantes de países como EUA, China, Rússia, França, Cingapura e Turquia organizam encontros com governantes africanos. Joe Biden está tentando se reaproximar da África diante da crescente influência chinesa na região da qual o país dele se afastou quando era governado por Donald Trump, como aconteceu com o Brasil nos últimos anos.

Bolsonaro intensificou afastamento

O Brasil começou a se afastar do continente africano em 2015, no governo Dilma, mas este afastamento se intensificou no governo de Jair Bolsonaro, que nunca fez uma visita oficial sequer ao continente. Para alguns diplomatas africanos, comentando sob condição de anonimato, “Bolsonaro esnobou a África”.

O representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, sigla em inglês) na Etiópia, Turhan Saleh
O representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, sigla em inglês) na Etiópia, Turhan Saleh © Vinícius Assis/RFI

João Bosco Monte disse que não faz sentido esperar que o Brasil possa competir com Estados Unidos e China para apresentar investimentos na altura do que foi prometido por esses dois países. Mas o Brasil tem outros ativos que talvez possam ser apresentados para as diversas oportunidades na África, o que vai chamar atenção dos africanos.

Ele destaca a necessidade de participação do setor privado, que considera fundamental. “Empresários africanos têm um grande gosto em conversar com empresários brasileiros. Tenho visto isso ao longo dos anos”, lembrou, falando em possibilidades de investimentos no continente africano e também no Brasil.

Recursos do BNDES

Ele disse não acreditar que as respostas virão a partir de investimentos brasileiros com recursos do BNDES ou do Banco do Brasil, como críticos do presidente Lula temem que aconteça. “Isso é mais difícil. Mas o Brasil pode criar uma agenda de cooperação. Não entendo que haja possibilidade de êxito numa aproximação do Brasil com a África se não for colocada uma ênfase, uma atenção especial no papel do setor privado”, afirmou.

As possibilidades de trocas entre o Brasil e o continente africano, com uma longa história em comum, também animam o cientista político Jakkie Cilliers, que é o presidente do Conselho, Diretor de Futuros e Inovação Africanos do Instituto de Estudos de Segurança.

“Nós esperamos que o comércio sul-sul e o engajamento com o Brasil, assim como com outros do sul global, avancem. Assim nos afastamos da dependência da América do Norte e da China”, disse autor do recém-lançado “África Amanha, caminhos para prosperidade” (tradução livre do título do livro). O presidente do Instituto Brasil-África, João Bosco Monte, conclui frisando que os brasileiros ainda não se deram conta da dimensão do mercado africano.

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