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Linha Direta

Em início de mandato, Boric enfrenta greve de caminhoneiros no Chile e perde popularidade

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Desde o último domingo, caminhoneiros bloqueiam estradas em todo o Chile para reivindicar aumento no policiamento das rodovias e reclamar do preço dos combustíveis. O movimento, apoiado por pequenas associações de transportadores, é um desafio para o governo de Gabriel Boric, que assumiu o poder no início de março. Pela segunda vez em menos de dois meses, uma pesquisa apontou perda de popularidade do seu governo.

Caminhoneiros no Chile fazem greve nacional denunciando o aumento de preços dos combustíveis e a insegurança nas rodovias. Imagem mostra manifestação na periferia de Santiago
Caminhoneiros no Chile fazem greve nacional denunciando o aumento de preços dos combustíveis e a insegurança nas rodovias. Imagem mostra manifestação na periferia de Santiago REUTERS - IVAN ALVARADO
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De Camilla Viegas, correspondente da RFI em Santiago.

Mais de 30 caminhões e máquinas agrícolas foram destruídos durante um episódio violento na manhã da última quinta-feira (28), no sul do Chile, em Los Álamos, na região de Biobío. O incidente foi protagonizado por indivíduos encapuzados, fortemente armados, que renderam os trabalhadores do local e atearam fogo em caminhões e máquinas. Os moradores locais relataram que dois caminhões florestais foram deixados para trás, bloqueando e atrasando o acesso dos bombeiros e da polícia.

O subsecretário do ministério do Interior, Manuel Monsalve, disse no começo da noite de ontem que o governo vai apresentar uma queixa formal em relação a esses crimes e ressaltou que esse não é o caminho da democracia e do diálogo.

É nesse contexto que os caminhoneiros chilenos iniciaram uma mobilização nacional no início desta semana, bloqueando diversas estradas de norte a sul do país. A greve não tem apoio das grandes federações, mas é protagonizada por pequenos grupos de caminhoneiros que se articulam através das redes sociais para a combinação de uma pauta comum, embora as pautas locais também sejam temas de negociação.

“Um seguro complementar de aposentadoria para todos os motoristas de caminhão e melhorias de assistência nas estradas. [...] Necessitamos de uma modificação na Lei Juan Barrios”, disse Pamela Sáez, diretora da Organização de Motoristas e Pequenos Donos de Caminhões em entrevista a uma rádio chilena.

A Lei Juan Barrios foi promulgada em dezembro de 2021 e estabelece sanção de 15 anos de detenção e até prisão perpétua para quem ateie fogo em veículos. A norma é uma homenagem ao caminhoneiro Juan Barrios, que morreu em 2020 após desconhecidos terem ateado fogo em seu caminhão enquanto ele dormia em seu interior.

A crise desafia o governo do presidente esquerdista Gabriel Boric, que tomou posse em março.

Apesar de a ministra do Interior do Chile, Izkia Siches, ter dado um prazo final para a liberação das estradas na última quarta-feira e embora algumas reuniões já tenham sido feitas entre representantes do Governo e dos caminhoneiros nos últimos dois dias, a diretora Pamela Sáez confirmou que os caminhoneiros seguem com os veículos estacionados nos acostamentos das estradas.

“Estamos em San Fernando, Curicó, Puerto Montt, Punta Arenas, Calama, Coquimbo, Antofagasta”, disse Sáez.

O ultimato do Governo e a Lei de Segurança Pública

A greve dos caminhoneiros no Chile tomou fôlego nesta semana com a convocação e participação de diferentes associações locais de norte a sul do país. “Como Ministério do Interior e Governo do Chile, damos um prazo até as 16h para a liberação das estradas do nosso país”, disse Izkia Siches na quarta.

No mesmo dia, o presidente Gabriel Boric ratificou a declaração da ministra destacando as reuniões que já haviam sido feitas com grupos de caminhoneiros pelo país: “Desde que assumimos o Governo, temos mantido um diálogo permanente com as principais associações de caminhoneiros. Aqueles que decidiram bloquear as rotas dos chilenos e chilenas, colocando em risco inclusive a integridade de pessoas doentes ou dificultando o trânsito do serviço de emergência, não têm se mostrado abertos às negociações”. 

“Caso contrário, a lei prevalecerá e nós, como governo, aplicaremos a lei”, disse o presidente Boric horas antes de que o ministério do Interior anunciasse a abertura de nove ações na Justiça contra caminhoneiros que não obedeceram o prazo dado para liberação das rodovias.

As denúncias ocorreram de norte a sul do país: em Tarapacá, Antofagasta e Coquimbo, ao norte; Maulle, na região central do país; e Los Lagos e Magallanes, no sul.

Gabriel Castillo, porta-voz de um dos movimentos de caminhoneiros em Calama, norte do Chile, disse após o anúncio que eles estão "magoados com o governo porque estão apresentando queixas contra as pessoas que estão à frente desta paralisação". Ele assegurou que os motoristas estão em "uma manifestação pacífica".

Pamela Sáez, diretora da Organização de Motoristas e Pequenos Donos de Caminhões, disse ainda estar surpresa com a atitude do governo. “O que nos espanta é que nos aplicam a Lei de Segurança do Estado. Não atiramos pedras e tivemos a melhor relação com os policiais”, afirmou ela.

“A ministra Siches foi vítima de um atentado no sul com armas de grande calibre e vemos que não há uma queixa sequer. Estamos realmente surpresos", finalizou a líder sindical.

Sáez cita um episódio que aconteceu em março deste ano, durante uma visita da ministra do Interior Izkia Siches e sua equipe à região da Araucanía, no sul do país. Quando estavam a caminho da comunidade mapuche Temucuicui, a comitiva foi surpreendida por disparos de armas de fogo e queima de árvores na estrada. Ninguém ficou ferido no que foi considerado um atentado.

Negociações

Ao longo da semana, representantes do governo central e governos regionais se reuniram com algumas associações de caminhoneiros. Carlos Galaz, porta-voz da mobilização na Rota 5, importante estrada na região central do país, disse após a reunião:  “O nosso objetivo foi alcançado. O governo nos ouviu e prometeu resolver os nossos problemas. Estamos satisfeitos. Não somos grandes transportadores neste país, mas acreditem que com o que fizemos mostramos que não brincamos com pequenos empresários e agricultores".

Em uma coletiva de imprensa, a ministra Izkia Siches disse que as reivindicações dos caminhoneiros já eram preocupação do governo antes mesmo da mobilização acontecer: “ Temos trabalhado com ambos ministérios (de Obras Públicas e de Transportes) muito antes dessa mobilização para darmos uma solução a muitas demandas que são legítimas, e que viraram tema da atual greve”.

“Apesar de termos estabelecido um trabalho com as associações mais importantes de transportadores e de caminhoneiros, atualmente há alguns que definiram, antes mesmo de conversar, paralisar e bloquear as estradas do nosso país”, disse Izkia.

Na noite da última quarta-feira, um grupo de caminhoneiros, que se autodenominam desvinculados das associações sindicais existentes, realizou novamente um bloqueio na região de Biobío, apesar das denúncias apresentadas com base na Lei de Segurança Pública.

Popularidade do governo

“Uma greve de caminhoneiros sempre gera tensão nos governos porque limita ou obstrui as estradas de um país. Esse é um grupo poderoso no geral. Agora, o presidente Boric exerceu seu papel de chefe de Estado e de governo ao anunciar as queixas por Segurança do Estado aos dirigentes. Se estivesse se mantido à margem dessa situação, isso teria afetado sua autoridade”, avalia Mireya Dávila, do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile.

De acordo com uma pesquisa de opinião divulgada na última segunda-feira, 25, a aprovação do presidente Gabriel Boric caiu pela segunda semana consecutiva, alcançando o índice de 36%. De acordo com a pesquisa da consultoria Cadem, a desaprovação de Boric chega a 53% em menos de dois meses de governo.

Ainda segundo o estudo, os setores que mais desaprovam o atual governo são as pessoas entre 35 e 54 anos, que se identificam com um posicionamento político à direita.

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