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Brasil-Mundo

Interesse de Portugal pelo Brasil é muito maior do que o oposto, diz especialista em relações internacionais

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“Portugal-Brasil, Encontros e Desencontros” é o título do livro lançado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, de autoria de Letícia Pinheiro, professora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Carmen Fonseca, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e pesquisadora do Instituto Português de Relações Internacionais. A obra reflete de forma crítica a relação entre os dois países. 

Capa do livro
Capa do livro © Foto de publicação do ECI
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Fábia Belém, correspondente da RFI em Lisboa

A professora Carmen Fonseca conta que, na academia, não existem muitos trabalhos sobre as relações entre Portugal e o Brasil, principalmente acerca do período contemporâneo. Ela explica que, de alguma forma, “o livro visa preencher um bocadinho essa lacuna e suscitar o debate sobre os temas mais recentes das relações entre Portugal e o Brasil”.

-Carmen Fonseca
-Carmen Fonseca © Foto cedida pela Feira do Livro de Lisboa

O objetivo das autoras também foi “refletir de forma mais crítica sobre esse relacionamento entre os dois países”, completa a professora Letícia Pinheiro. Ela lembra de que havia muitas questões sem repostas:

“Essas coisas existem de fato, concretamente? Como é que elas se materializam? Essa aproximação, essa afinidade, essa identidade, como é que isso se apresenta em termos concretos?”

O trabalho que as duas acadêmicas fizeram revela que “há uma identidade forte entre Brasil e Portugal, mas ela não é automaticamente traduzida em interesses". "Ela, por si só, ela não é capaz de fomentar uma política”, ressalta Letícia Pinheiro, doutora em Relações Internacionais.

O peso de cada um na balança das relações

Ao comentar o peso que um país tem para o outro na política externa, Pinheiro explica que esse aspecto depende das prioridades de cada governo. Segundo a professora, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso “houve uma maior aproximação [do Brasil] com a Europa. Portugal, óbvio, que também ganhou um peso enorme na política externa brasileira. E aí, o peso aumentou. Eu acho que houve nesse momento uma maior coincidência mesmo, convergência, porque Portugal também estava olhando para sua dimensão atlântica e aí o Brasil ganhou um peso maior [para Portugal]”.

Também doutora em Relações Internacionais, Carmen Fonseca chama atenção para um fato: o interesse de Portugal pelo Brasil é muito maior do que o oposto. Não quer dizer que não existam políticas bilaterais, salienta, “mas o valor que o Brasil atribui a Portugal deriva muito mais da sua pertença à União Europeia do que outra coisa, enquanto Portugal procura colocar mais o Brasil na sua estratégia externa”. A professora destaca que “o Brasil é um país continental; estamos a falar aqui de Portugal e Brasil, países completamente distintos e com capacidades também bastante diferentes”.

No livro, as autoras contam que nos dois primeiros governos do presidente Lula, por exemplo, Portugal não apareceu de forma direta na agenda externa brasileira. “A ênfase na agenda externa do Brasil nesse momento era prioritariamente a América do Sul e a África com os países africanos de língua portuguesa”, recorda a professora Letícia Pinheiro.

“Os posicionamentos geopolíticos e geoestratégicos que estes países têm nas suas regiões também acabam por valorizar mais ou menos a CPLP”, que é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, frisa Carmen Fonseca. “Portugal recorre muito mais ao quadro multilateral da CPLP do que propriamente o Brasil”, completa. A pesquisadora portuguesa lembra que entre 2003 e 2010, o presidente Luís Inácio Lula da Silva “reavivou muita da política africana, da política externa brasileira”, e se relacionou bastante com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), “mas fê-lo, maioritariamente, no quadro bilateral” marcado pelos projetos de cooperação do Brasil com Angola e Moçambique, por exemplo.

Fluxos migratórios

No livro “Portugal-Brasil, Encontros e Desencontros”, as autoras também trazem o tema migração para o centro das reflexões. Elas contam que os fluxos migratórios têm conferido mais densidade à relação entre as duas nações, mas também destacam problemas como os estranhamentos, estigmas, casos de preconceito sofridos por imigrantes brasileiros.

“Eu acho que tem de haver um cuidado muito grande das políticas públicas de criar maior espaço para aproximação e reconhecimento da diversidade. Eu acho que é um pouco desfazer a noção de que essa afinidade, essa identidade cria uma convergência naturalmente, porque nós temos afinidade, mas nós não somos iguais”, observa Letícia Pinheiro.

Letícia Pinheiro
Letícia Pinheiro © Foto de arquivo pessoal

“Em termos práticos, sabemos que são culturas substancialmente diferentes e maneiras de estar na vida completamente diferentes”, complementa Carmen Fonseca.  “E, portanto, isso vai exigir que sejam resolvidos determinados problemas que melhorem a integração e a vida dos cidadãos brasileiros em Portugal”.

O episódio que “ficará para a história”

A obra também cita o acontecimento “que ficará para a história das relações luso-brasileiras”. Trata-se do que aconteceu em julho do ano passado. Depois de saber que o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, iria ter um encontro com o então candidato e atual presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Jair Bolsonaro cancelou o encontro marcado para acontecer em Brasília com Rebelo de Sousa. 

“Foi a primeira vez na história das relações luso-brasileiras que isso aconteceu. O comportamento do ex-presidente Bolsonaro destoa daquilo que é o padrão das relações luso brasileiras”, afirma a professora portuguesa Carmen Fonseca.

Terceiro governo Lula

Quanto aos novos tempos, para as autoras, tudo leva a crer que as relações entre Brasil e Portugal podem ser reforçadas no terceiro governo do presidente Lula. “Os sinais que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa foi dando ao longo destes últimos quatro anos são sintomáticos de que, de fato, Portugal pretende reforçar a relação de Portugal com o Brasil”, frisa Fonseca.

Pinheiro diz que “se a gente for comparar com o governo anterior, certamente vai melhorar”. Está prevista uma visita de Estado do presidente Lula a Portugal, em abril, quando também vai acontecer uma cimeira luso-brasileira.

“É um indicativo muito forte de possibilidades para um estreitamento da relação, ao menos no que se refere à retórica e à narrativa. Isso pode ajudar a gerar uma maior aproximação, mas não basta”, adverte Letícia Pinheiro. “Esses atos, essas decisões, elas têm de vir acompanhados de planejamento, de projetos entre os diversos ministérios e promoção de políticas conjuntas”.

Na publicação, um recado das autoras

“Gostaríamos também que (...) este ensaio contribuísse para o debate das relações luso-brasileiras e das suas reais potencialidades num momento ímpar da história. Ao mesmo tempo, esperamos que seja um convite à reflexão sobre os fatos que nos trouxeram até aqui e sobre o papel que, porventura, possam desempenhar para tornar mais curta a distância entre as intenções e os gestos de aproximação entre os povos dos dois países”.

 

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