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A Semana na Imprensa

Revistas francesas analisam a negação como origem das teorias da conspiração contemporâneas

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A origem de recentes ondas de teorias conspiratórias, como sobre a vacina de Covid-19, é destaque nas revistas francesas desta semana. Na Le Point, o psiquiatra e psicanalista Serge Tisseron aborda o papel fundamental da negação, mecanismo de defesa natural do ser humano, neste processo. 

Jake Angeli, conhecido como o "QAnon Shaman", tem uma placa com a inscrição "Q Sent Me" com apoiadores do Presidente dos EUA Donald Trump.
Jake Angeli, conhecido como o "QAnon Shaman", tem uma placa com a inscrição "Q Sent Me" com apoiadores do Presidente dos EUA Donald Trump. AFP - OLIVIER TOURON
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Utilizando-se da prática terapêutica, com reflexões e observações feitas durante a pandemia de Covid-19, Tisseron considera que seja “quase uma questão de saúde pública esclarecer o sentido da negação, desmontar sua lógica e mecânica para que este processo não se torne um modo de estigmatização” daqueles que questionaram as determinações sanitárias para conter a doença.

“Quando uma vacina se tornou disponível, o governo a apresentou como um remédio milagroso. Imediatamente, seus opositores disseram que ela não servia para nada. A recusa de alguns enfermeiros a se vacinar é, sem dúvida, ligada à sua decepção, ou sentimento de não terem sido ouvidos”, acredita.

O psiquiatra destaca que a proibição de participar de enterros, durante o auge da pandemia, “constituiu uma ruptura antropológica que nega a importância dos laços sociais e humanos”. E continua dizendo que “frente ao que foi considerado como uma negação da sua dignidade e de suas dificuldades, uma parte da população se voltou para outra negação: a dos dados científicos em relação às medidas sanitárias”.

Para Serge Tiesseron, isso permitiu a proliferação de teorias conspiratórias. “Afinal, a negação não precisa de explicação para existir”, afirma, à revista francesa.

Os antivacinas que vivem na negação não argumentam: as suas certezas lhes bastam”, diz. “As teorias de complô querem convencer um oponente de uma verdade alternativa ao discurso oficial”, define. “Elas permitem construir comunidades mobilizando indivíduos isolados que vão se reconhecer em uma causa comum”, acrescenta.

O especialista alerta que “o conspiracionismo leva os indivíduos a se fecharem, transformando pessoas isoladas em militantes de uma causa que possa dar algum sentido às suas vidas”.

“Uma pessoa fechada na negação pensará sempre que são os outros que estão errados. Quanto mais você tentar mostrar a realidade, mais ela vai querer lhe convencer pois, para ela, não é apenas convicção: é uma crença, cuja função é garantir a coesão de seu mundo interior”, explica o especialista, na reportagem.

Tiesseron esclareceu, ainda, que “para ajudar uma pessoa a sair da negação, o melhor é perguntar sobre suas expectativas, seus desejos, suas preocupações, do que usar argumentos objetivos”.

Estratégia de sobrevivência

Já a revista L’Obs dá destaque à publicação do livro do misterioso Wu Ming 1, o pseudônimo literário de um autor que também analisa as teorias dos complôs contemporâneos, sob um aspecto mais político – a começar pelo polêmico grupo QAnon, que “deixou seu rastro na invasão do Capitólio”, destaca a semanal.

Nesse contexto, entraram em jogo discussões como a nocividade das vacinas, os planos secretos dos Estados para controlar populações e a hipótese de a Covid-19 ter sido inventada. Aos termos habituais “teorias da conspiração” ou "complotistas", o autor prefere falar em “fantasias do complô”, para destacar que "seus adeptos precisam de encantamento e maravilhamento para ver o mundo com outros olhos”.

Em 1.576 páginas, o autor explica fatores que colaboraram para o crescimento do fenômeno, como uma tendência histórica da direita americana ao conspiracionismo, uma era em que gurus emergiram ou ganharam espaço graças à internet e um forte sentimento anticapitalista.

L'Obs ressalta que o livro analisa como o ex-presidente Donald Trump usou a retórica do conspiracionismo ao seu favor. Ao observar os fatos no passado, o autor distancia tais teorias da realidade atual, ao mesmo tempo em que deixa aberta uma pergunta: “por que, apesar dos fracassos de Trump, grupos como QAnon não deixam de acreditar nele?” – evidenciando que a discussão ainda está longe de acabar.  

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