Acessar o conteúdo principal

Acostumados a conflitos, libaneses se preparam aos poucos para guerra contra Israel

No contexto da guerra entre Israel e o Hamas, os confrontos na fronteira israelo-libanesa se repetem todos os dias, no sul do país. Os libaneses, que já enfrentam uma das piores crises dos últimos anos, agora precisam também se preparar para a guerra contra o país vizinho.

Mais de 4,2 mil moradores do sul do Líbano foram retirados das suas casas e levados para abrigos, como em Tyre, em meio a conflitos entre o Hezbollah e Israel. (20/10/2023)
Mais de 4,2 mil moradores do sul do Líbano foram retirados das suas casas e levados para abrigos, como em Tyre, em meio a conflitos entre o Hezbollah e Israel. (20/10/2023) AP - Hassan Ammar
Publicidade

Paul Khalifeh, correspondente da RFI em Beirute

Desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, alertas de um conflito regional vêm de todos os lados. No sul do Líbano, o Hezbollah e o exército israelense enfrentam-se todos os dias e o partido jihadista xiita já perdeu mais de 50 combatentes. Os confrontos acontecem em uma faixa de cinco quilômetros ao longo da fronteira.

Nessa região, as escolas estão fechadas desde 9 de outubro e cerca de 20 mil residentes fugiram das suas casas para se instalarem mais a norte. Em algumas localidades, os preços dos aluguéis de apartamentos e pensões já aumentaram 25%.

Muitos países pediram para os seus cidadãos abandonarem o Líbano, lembrando-lhes as instruções de segurança e as precauções em caso de escalada do conflito.

Apesar do clima de preocupação, a vida continua quase normal no resto do país. Em um supermercado, Zeina empurra um carrinho de compras repleto de pacotes de cereais, latas de comida e macarrão, em quantidades suficientes para alimentar uma família de 20 pessoas durante várias semanas. “Se a guerra eclodir, os preços podem disparar. É melhor prevenir do que remediar”, explica a mãe de três filhos.

“Mais clientes começam a armazenar produtos, mas ainda não é um fenômeno generalizado”, diz Ziad, proprietário do estabelecimento na cidade costeira de Jbeil, 40 quilômetros a norte de Beirute. "O mercado está abastecido e os preços não mudaram”, acrescenta o comerciante, ajudando Zeina a avançar com seu carrinho lotado.

O gerente de um posto de gasolina em Beirute também garante: “Há um aumento da demanda por combustível, mas nada alarmante por enquanto”, diz Abou Issam.

Na memória, a guerra de 2006

A calma demonstrada pela maioria dos libaneses contrasta com a gravidade dos riscos que pairam sobre o país. A população continua marcada pela guerra de 2006, entre o Hezbollah e Israel, que deixou 1,2 mil mortos e 4 mil feridos, a maioria civis, e destruiu infraestruturas do país.

A situação é ainda mais difícil do que em 2006. O Líbano é atingido por uma crise grave econômica que mergulhou 80% da população na pobreza e levou o Estado à falência. “Estou apavorada com a ideia de viver uma nova guerra, não sei se conseguiria aguentar. As ameaças de [Benjamin] Netanyahu de 'devolver o Líbano à Idade da Pedra' me assustam”, preocupa-se Sandy, bancária, em referência às palavras do primeiro-ministro israelense.

Apesar do medo, a jovem não mudou seus hábitos. No fim de semana, programou um passeio com um grupo de amigos. A única mudança é o cancelamento de uma viagem que faria à Turquia, prevista para o início de novembro. “Tenho medo de ficar presa no exterior, se o aeroporto fechar”, diz ela.

A queda da cobertura de seguros contra riscos de guerra pela companhia aérea nacional, a Middle East Airline (MEA), levou à redução dos voos e a remarcação das partidas – o que preocupa os libaneses. “Para sair, os aviões estão lotados, mas nos trajetos de volta, tem apenas cerca de 30 pessoas, no máximo”, afirma um funcionário do Aeroporto Internacional de Beirute.

“As pessoas não estão economizando”, afirma Adib Nakhlé, gestor de uma agência de viagens. "Aqueles cuja presença no Líbano não é necessária e que têm uma base em outro lugar, ou um emprego no exterior, partiram. Por outro lado, muitas pessoas que planejavam tirar alguns dias de férias na Turquia, Grécia ou Chipre, cancelaram por medo de não poderem regressar”, salienta.

“Os libaneses estão perfeitamente conscientes dos perigos que o país enfrenta”, explica Hyam Zghendi, assistente social. "Há resignação e também o fato de já terem vivido muitas guerras. Mas há também outro aspecto: já se passaram 20 dias desde que a guerra iminente foi anunciada e ela ainda não aconteceu. Eles tiveram tempo para se preparar psicológica e logisticamente”, analisa.

Governo adota plano de emergência

As autoridades tentam adotar medidas de prevenção, apesar dos recursos limitados à disposição do Estado. No dia 19 de outubro, o governo aprovou um plano de emergência desenvolvido pelo Ministério das Obras Públicas e Transportes e pelo Ministério da Saúde.

O plano visa garantir o funcionamento das principais infraestruturas do país, como pontes, portos, o aeroporto de Beirute e locais de armazenamento de combustíveis e alimentos, mesmo em caso de guerra. Os hospitais reabasteceram os seus estoques e um planejamento de coordenação com organizações internacionais e ONGs foi discutido.

A preparação para a guerra não se limita às autoridades oficiais. O líder da comunidade drusa, Walid Jumblatt, propôs o princípio da solidariedade nacional, apesar das divisões políticas e confessionais que envenenam a esfera pública há anos. Ele anunciou que, em caso de guerra, os seus redutos de Chouf, Aley e Baabda, a leste e sudeste de Beirute, bem como Rachaya, na planície oriental de Bekaa, acolheriam as populações xiitas que poderiam ser deslocadas do sul do Líbano.

Em 2006, escolas, mesquitas, igrejas e mosteiros abriram suas portas para abrigar os deslocados, numa rara onda de solidariedade.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.