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Crise econômica 'catastrófica' e governo ultradireitista: cientista político analisa possível vitória de Erdogan na Turquia

Depois de garantir a maioria parlamentar no primeiro turno, o atual mandatário da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, disputa agora aquela que ele diz ser sua última Presidência da República, após 20 anos no poder. As chances do presidente-candidato, que chegou na frente com 49,52% dos votos em 14 de maio, crescem exponencialmente com o recém-adquirido apoio do terceiro homem na disputa, Sinan Ogan.

"A continuação do sucesso com a pessoa certa", diz banner da campanha de Recep Tayyip Erdogan espalhado por Istambul nesta sexta-feira, 26 de maio de 2023.
"A continuação do sucesso com a pessoa certa", diz banner da campanha de Recep Tayyip Erdogan espalhado por Istambul nesta sexta-feira, 26 de maio de 2023. © RFI / Marcia Bechara
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Marcia Bechara, enviada especial da RFI a Istambul

Sinan Ogan, um autodeclarado outsider da tão famosa "terceira via", deseja, ao que tudo indica, apostar em seu futuro político com essa escolha, se aliando ao velho cacique turco, Recep Tayyip Erdogan. No entanto, Devlet Bahçeli, a segunda força do partido de Ogan [o ultranacionalista MHP], declarou voto no líder da oposição - Kemal Kiliçdaroglu -, rachando a legenda.

"Ogan fez um pacto com o diabo para garantir seu futuro, mas não controla todos os votos que recebeu da população turca [cerca de 2,8 dos 53 milhões apurados no 1° turno, uma participação de cerca de 88,92%]. Isso porque grande parte desses votos veio do fato de ele ter se aliado a esse outro homem, Devlet Bahçeli, chefe do Partido de Ação Nacionalista (Milliyetçi Hareket Partisi ou MHP, em turco)", explicou à RFI o cientista político Karabekir Akkoyunlu, da Universidade de Londres, especializado na região.

Nesse contexto, o jogo pode ficar mais equilibrado para o opositor de Erdogan, mas a matemática desta eleição turca de 2023 ainda é um enigma para os especialistas. "Acho que a maioria dos eleitores de Ogan votará em Kiliçdaroglu, mas alguns poucos ainda votarão em Erdogan, porque alguns deles eram mais próximos do governo", avalia.

"Cerca de 80% votarão na oposição. Isso é suficiente? Não sei. Acho que não. Além disso, há outra questão. Esses caras do MHP são ultranacionalistas e imprevisíveis. Mas Kiliçdaroglu também precisa do apoio dos curdos. Então, quando Devlet Bahçeli declarou seu apoio a Kiliçdaroglu, a pergunta imediata foi: o que acontecerá com o voto desta comunidade? Como você sabe, esse cara tem duas plataformas, uma contra os imigrantes e outra contra os curdos", sublinhou Akkoyunlu.

Karabekir Akkoyunlu, cientista político turco da Universidade de Londres
Karabekir Akkoyunlu, cientista político turco da Universidade de Londres © Arquivo pessoal

Mas, segundo o especialista, "os curdos são eleitores muito pragmáticos na Turquia". "Eles aprenderam o pragmatismo e a estratégia por meio da resistência. Portanto, o que estamos vendo agora são anúncios de diferentes líderes do HDP, o partido curdo, dizendo que essa nova aliança com o partido ultranacionalista não muda nada para eles, uma vez que o foco é derrotar Erdogan", analisa Akkoyunlu. 

"Os curdos são politizados e têm senso prático. Eles raciocinam que já havia nacionalistas no grupo antes, e que mais alguns não farão grande diferença. A equação para eles já era ruim. Ainda é ruim, mas ainda é melhor do que a alternativa, que é o desaparecimento da comunidade, sob um novo governo Erdogan ultranacionalista. É assim que a comunidade curda raciocina nesta eleição”, antecipa o especialista.

"Mas a questão é, obviamente, se isso será suficiente para impulsionar os curdos a votarem em Kiliçdaroglu. Porque essa é uma grande massa eleitoral. É muito maior do que a do Sinan Ogan. Portanto, veremos se esse cálculo funciona. O que sabemos é que Kiliçdaroglu precisa de todos os votos dos nacionalistas que perdeu, e precisa de ainda mais votos dos curdos. Ele precisa dos votos de pessoas que não votaram no primeiro turno", afirma.

Tesouro turco sem reservas

O especialista acredita que "a economia turca entrará em uma nova fase catastrófica nas próximas semanas, especialmente se esse governo permanecer". "Tudo indica que o tesouro turco está ficando sem reservas. Em termos de migrantes, um novo governo Erdogan não vai mudar muita coisa porque essa é, na verdade, uma questão em que o governo atual está menos disposto do que a oposição a adotar uma postura contra", destacou.

"Deixe-me colocar desta forma: se Erdogan ficar, será a mesma trajetória na economia, na política, e na geopolítica em geral, mas vai ficar mais intenso. Especialmente porque, na política interna, suas novas alianças são tão ultradireitistas, religiosas e nacionalistas, que vão diminuir dramaticamente o fôlego dos tribunais, das mulheres, dos LGBT+ e dos ateus, por exemplo. Eu acho que esse é um tipo de tendência social muito preocupante", analisou.

Por que Erdogan tem grandes chances de ser reeleito

"Erdogan vai provavelmente vencer, por muitas razões. Mesmo se você pegar os resultados do primeiro turno das eleições, a situação na Turquia, o estado atual da democracia e a possibilidade de manipulação dos resultados, mesmo se você colocar isso de lado, 49,52% e 44,8%, é uma diferença muito mais difícil de ser superada pelo candidato que está em segundo lugar", afirma Akkoyunlu.

"Erdogan tem apenas um pequeno trajeto a cumprir para conseguir vencer essas eleições [e obter a maioria simples]. Mas, acima de tudo, é preciso ver o contexto geral na Turquia: o governo tem o controle de instituições como o Judiciário, sobre os membros da Comissão Eleitoral, ele controla a polícia e os serviços de segurança, além dos maiores veículos de mídia", destacou ainda o cientista político da Universidade de Londres.

Fraudes e teorias da conspiração

"No passado, Erdogan já cancelou eleições que anunciavam resultados contrários a ele e fez os cidadãos votarem novamente", lembra Karabekir, que ressalta ser esta uma das razões para que grandes cidades como Istambul tenham deixado de lhe apoiar, como fizeram no passado. Além disso, o especialista destaca que jovens lideranças da oposição, como o prefeito de Istambul, do partido de Kiliçdaroglu, correm o risco de sofrerem perseguição e serem aprisionados, caso o chefe da AKP [AK PARTİ, em turco, capitaneado por Erdogan] seja reeleito.

"Nos últimos 10 dias, fomos inundados nas redes sociais turcas com alegações de fraude eleitoral. É difícil separar teorias da conspiração de fatos, esse é o problema quando você não tem uma auditoria real", afirma. "Mas existem fatos sendo reportados por pessoas sérias e que apontam para evidências de inconsistências no processo de votação. Inconsistências relativas ao número de pessoas esperado nas seções e que teriam votado no primeiro turno, por exemplo", destaca Karabekir.

"É muito difícil executar uma manipulação em massa dos votos, mas é fácil operar diversas pequenas manipulações. As autoridades eleitorais têm as listas de votação atualizadas: quem morreu, quem fez 18 anos, quem se tornou um cidadão turco. E, comparando estas listas, nota-se uma série de inconsistências que mostram que mais pessoas do que aquelas autorizadas votaram naquela seção, por exemplo", aponta.

"Uma dessas denúncias foi feita pelo ex-presidente do Instituto Turco de Estatísticas. Ele aponta um número significativo de votos 'extras', seja na quantidade de migrantes que se tornaram cidadãos turcos, pessoas que já faleceram, pessoas com cédulas eleitorais anuladas... Eu não gosto de elaborar teorias da conspiração, mas vimos tanta vontade desse governo, tantas e tantas vezes, de atravessar e desrespeitar as regras, sendo que esta é uma eleição definitiva para eles, de alta importância. Mas se você considera apenas que não temos fatos concretos, contabilizados, que tudo correu dentro da lei, por exemplo, pode-se correr o risco de dar legitimidade a um jogo ilegítimo", conclui o cientista político.

De acordo com o Conselho Eleitoral Turco, 53.993.683 das 60.721.745 pessoas registradas para votar participaram do primeiro turno das eleições em 14 de maio. Cerca de 53 milhões de cédulas eleitorais foram validadas. Neste domingo, 28 de maio, os turcos elegerão enfim o novo presidente.

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