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Curdos da Turquia dão as costas a Erdogan e podem virar o jogo nestas eleições

Os curdos – cerca de um quinto dos 85 milhões de habitantes do país – foram perseguidos na Turquia pós-otomana criada por Mustafa Kemal Ataturk, em 1923. A república contemporânea de maioria islâmica negou a própria existência da comunidade, privando os curdos de seus direitos à cultura e ao idioma. Agora, essa importante comunidade declara voto no principal opositor de Erdogan, Kemal Kiliçdaroglu, e pode dar o troco de anos de perseguição.

Apoiadores do partido pró-curdo HDP comemoram em Istambul o Noruz, o ritual de Ano Novo celebrado por 300 milhões de pessoas no mundo, com a chegada da primavera. 19 de março de 2023.
Apoiadores do partido pró-curdo HDP comemoram em Istambul o Noruz, o ritual de Ano Novo celebrado por 300 milhões de pessoas no mundo, com a chegada da primavera. 19 de março de 2023. © AP - Francisco Seco
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Cansado da repressão na região de maioria curda da Turquia, o eleitor Ali declarou que votará no principal oponente do presidente Recep Tayyip Erdogan em 14 de maio. Trata-se de Kemal Kiliçdaroglu, político que centraliza a oposição a Erdogan em diversos setores da sociedade turca em 2023.

"É hora de mudar", disse esse morador de Diyarbakir, a capital não oficial dos curdos da Turquia. "Para qualquer pessoa que assiste televisão, os curdos são terroristas", diz Ali, que se recusa a dar seu nome completo por medo de represálias. Sem citar seu nome, ele explica que votará em Kiliçdaroglu, líder do Partido Republicano do Povo (CHP), social-democrata, que lidera uma coalizão de seis partidos. "Mas eu estaria mentindo se dissesse que tenho total confiança nele", diz o eleitor.

Depois de chegar ao poder em 2002, o partido AKP (islamoconservador) do presidente Erdogan tornou-se popular entre os curdos, buscando um acordo para acabar com a luta sangrenta dos curdos por autonomia. Mas o fracasso dessas negociações em 2015 levou à retomada do conflito armado entre o Estado turco e o PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, um grupo armado rotulado como terrorista por Ancara e seus aliados ocidentais.

O principal partido pró-curdo da Turquia, o HDP, pagou um preço alto por esse novo confronto, pois é acusado de estar ligado ao PKK. Selahattin Demirtas, seu principal líder, está preso desde o final de 2016 por "propaganda terrorista", e o partido está ameaçado de ser fechado.

"Prisão a céu aberto"

No final de abril, após longas negociações, o HDP convocou os eleitores curdos a votarem em Kiliçdaroglu, apoio que pode ser decisivo para a oposição. O chamado convenceu Mehmet Emin Yilmaz, que seguirá a recomendação do partido, a terceira maior força política do país. "Eu sou curdo. O HDP defende meus direitos. Se a polícia me prender injustamente, o HDP cuidará de mim", diz o homem de 60 anos.

Embora o dia das eleições presidenciais e parlamentares esteja se aproximando, as ruas de Diyarbakir parecem intocadas pela agitação da votação. "As pessoas estão sob pressão, há câmeras por toda parte. Se houver mais de duas pessoas juntas, um policial sem uniforme aparece imediatamente", diz Erdem Unal, um funcionário local do CHP. "Diyarbakir se tornou uma prisão a céu aberto", diz ele. A recente aliança de Erdogan com o partido de extrema direita Huda-Par também reabriu as feridas.

O Huda-Par está ligado ao movimento curdo Hezbollah – diferente do grupo xiita libanês de mesmo nome – que é composto por islamistas sunitas e esteve envolvido nos assassinatos de ativistas curdos e feministas na década de 1990. Alguns analistas veem o Hezbollah curdo como uma ferramenta das autoridades para combater a insurgência do PKK.

Para Eyup Burc, fundador do canal de televisão pró-curdo IMC, agora fechado, o apoio de Erdogan à extrema direita revela seu medo de perder votos até mesmo entre os curdos mais conservadores. "As pesquisas mostram apenas 15% de apoio a Erdogan em Diyarbakir e com tendência de queda", diz ele. O CHP do opositor Kiliçdaroglu é quase invisível na cidade, mas o candidato de 74 anos conquista simpatia por sua fé alevita e identidade curda, embora discretamente. Os alevitas formam uma seita islâmica progressista, alvo de séculos de discriminação e violência.

A maioria dos curdos o chama de "Piro", que vem de "pir", uma palavra curda que significa avô e também descreve um líder religioso alevita. No entanto, os curdos ainda têm reservas quanto ao candidato, que apoiou as incursões do Exército turco na Síria em 2016 contra grupos curdos armados.

Abbas Sahin, cujo partido Esquerda Verde representará os candidatos do HDP nas eleições parlamentares para evitar uma possível proibição, espera que a dupla votação de 14 de maio permita que Erdogan seja relegado à "lata de lixo da história".

(Com AFP)

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