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Ex-espiões afegãos aliados ao serviço secreto francês foram abandonados pela França?

Dezenas de agentes de inteligência afegãos que trabalhavam para os serviços secretos franceses (DGSE) no Afeganistão dizem ter sido abandonados pela França depois que o Talibã tomou o poder em 15 de agosto de 2021. Isto é o que revela uma investigação realizada em colaboração pela RFI, pela Lighthouse Reports e pelo jornal Le Monde.

Soldados talibãs exibem sua bandeira em patrulha em Cabul, no Afeganistão. (AP Photo/Rahmat Gul, Arquivo)
Soldados talibãs exibem sua bandeira em patrulha em Cabul, no Afeganistão. (AP Photo/Rahmat Gul, Arquivo) AP - Rahmat Gul
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Sonia Ghezali, da RFI

A Divisão 915 ou Shamshad foi uma célula secreta conjunta criada pelos serviços secretos afegãos e pela DGSE entre 2009 e 2020. Entre 60 e 90 agentes do NDS, a agência de inteligência afegã, teriam trabalhado com o objetivo de obter informações para a agência francesa de inteligência e coletar informações que visavam, primeiramente, proteger soldados e interesses franceses, mas também usadas no combate ao terrorismo e aos insurgentes no Afeganistão.

Logo após a queda de Cabul, em 15 de agosto de 2021, alguns desses agentes foram evacuados para a França. Outros puderam se refugiar na Índia, Paquistão ou Irã, onde sua segurança não está garantida. Mas alguns ainda estão no Afeganistão, vivendo escondidos e com medo de serem identificados pelos talibãs.

Este é o caso de Ali*. Ele foi oficial na divisão 915 entre 2014 e 2018. Na época, esse homem de quarenta anos foi o elo entre pessoas nos locais de conflito e os agentes da DGSE baseados em Cabul. Ele explica: "o objetivo era coletar informações sobre os planos do inimigo. Os inimigos eram o Daesh, a Al-Qaeda, os talibãs e o grupo Haqqani. Nossos colegas infiltrados estavam coletando informações sobre eles e nós as compartilhávamos com nossos colegas franceses, assim como com nossos colegas de inteligência afegãos. Também coletávamos informações sobre todos os cidadãos franceses envolvidos em atividades terroristas internacionais na Al-Qaeda ou em outros grupos terroristas ao redor do mundo e monitorando sua possível entrada no Afeganistão. Estávamos coletando todas essas informações sobre o inimigo, sobre seus planos de sequestros, roubo carros ou ameaças contra a embaixada".

"As autoridades franceses devem nos salvar dessa morte lenta"

A investigação conjunta da RFI - Lighthouse Reports e Le Monde revelou que além de seu salário do governo afegão, Ali recebia 1000 dólares por mês do serviço secreto francês.

Quando o Talibã tomou o poder em 15 de agosto de 2021, Ali não teve outra escolha senão fugir com sua família para o interior do país e se esconder. Desde então, ele vive com medo: "Eu cubro meu rosto toda vez que saio de casa ou quando viajo. Eu só saio depois de escurecer. Eu me escondo.  Meus amigos me ajudam financeiramente e nós vendemos todas as joias de ouro que tínhamos para sobreviver". 

Ali não foi evacuado pelas autoridades francesas. Hamza** também não foi. Esse jovem de cerca de 30 anos que trabalhou na parte administrativa da divisão 915 também vive escondido em seu próprio país. Ele enviou à reportagem um vídeo do cômodo onde mora, no porão, com apenas um colchão no chão. Este é o lugar em que ele e sua família vivem. "Quando o Talibã tomou o poder, todos nós ficamos em estado de choque, paranoicos e com medo. Eu consegui levar minha família para a casa de parentes onde nos escondemos. Estamos passando fome. Às vezes alguns familiares e amigos nos ajudam porque não podemos trabalhar fora. Eu não trabalho há quase dois anos, desde que o Talibã assumiu o controle. Às vezes, só comemos uma vez por dia".

Hamza vive atormentado pelo medo de ser visto pelo Talibã e preso, ou algo pior. Ele pede às autoridades francesas: "A única coisa que esperamos do governo francês é que eles nos ouçam. Eles têm que nos tirar desta situação porque prestamos serviços ao governo francês. As autoridades francesas precisam nos salvar desta morte lenta".

"Ou eu saio dessa, ou eu morro"

Como quem lança uma garrafa ao mar, um desses agentes publicou uma mensagem nas redes sociais, um pedido de ajuda às autoridades francesas.

Apesar dos riscos, Haroon* não teve dúvidas em escrever o post após a retomada do poder pelos talibãs. Este antigo agente dos serviços secretos afegãos que também trabalhou para a DGSE vive escondido com sua família no Afeganistão. Ele diz não ter tido escolha. “Eu arrisquei minha vida com esta mensagem. Achei que ou eu sairia dessa, ou eu morreria. Eu sabia que as pessoas veriam a mensagem enviada ao presidente Macron. Esperava que ele respondesse. Não me preocupei se os talibãs veriam a mensagem porque eu já tinha perdido totalmente a esperança. Achei que essa seria a forma de conseguir ajuda. Infelizmente, eu não recebi nenhuma resposta”, relata.

Alguns de seus colegas conseguiram deixar o Afeganistão, como Zubeir*. Agente secreto afegão e tradutor para o serviço francês entre 2017 e 2019, este agente vive há quase dois anos na Índia. Zubeir guarda rancor: “quando os talibãs tomaram o poder fomos abandonados, a França não entrou em contato para nos ajudar. Seis ou sete meses depois, alguns de nossos colegas foram contatados pelas autoridades francesas para uma evacuação. Então alguns foram levados para a França e outros, como eu, foram abandonados”, diz. Zubeir encaminhou seu pedido de visto para a França há mais de um ano. Ele ainda não teve resposta.

O Ministério da Defesa da França nega qualquer violação do dever em relação aos antigos agentes dos serviços secretos afegãos que trabalhavam para a DGSE. Fontes diplomáticas francesas indicam que o país europeu ajudou com a saída e recebeu 9.000 afegãos desde que o Talibã retomou o poder no Afeganistão em 2021.

*Os nomes foram alterados por razões de segurança

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