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Visita de Bachelet a Xinjiang pode virar “coreografia da propaganda chinesa", diz porta-voz dos uigures

A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, está na China desde segunda-feira (23) para uma visita de seis dias. A estadia conta com uma esperada passagem pela região de Xinjiang, onde Pequim é acusada de perseguir os uigures. Mas os representantes da minoria temem que a presença de Bachelet seja instrumentalizada pelas autoridades chinesas.

Michele Bachelet se encontrou com o ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi, ao desembarcar na China, na segunda-feira (24).
Michele Bachelet se encontrou com o ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi, ao desembarcar na China, na segunda-feira (24). AP - Deng Hua
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Esta é a primeira vez em quase duas décadas que uma autoridade dos direitos humanos da ONU visita o país asiático. A viagem inclui passagens pelas cidades de Urumqi e Kashgar, em Xinjiang (noroeste), assim como à localidade de Guangzhou (sul). Desde 2018, as autoridades da ONU estavam em negociações com o governo chinês para assegurar um "acesso ilimitado e relevante" à região.

A China é acusada de prender um milhão de uigures e outros membros de minorias muçulmanas em campos na região de Xinjiang, o que os que Estados Unidos e outros países qualificam como "genocídio". Pequim rejeita o termo, que considera a "mentira do século", e alega que suas políticas permitiram combater o extremismo e melhorar a vida da população na região.

“É a primeira vez que um alto comissário da ONU vai nessa região uigur. Então é realmente uma visita histórica”, afirmou Zemeretay Harkin, representante do Congresso Mundial Uigur, em entrevista à RFI. “No entanto, essa visita é problemática, pois desde o início ficou claro que o governo chinês não vai dar acesso totalmente independente à alta comissária das Nações Unidas”, alerta.

“Diante dessa situação, a gente se pergunta qual é o interesse dessa visita. Nós sabemos que, para o governo chinês, ela vai ser uma ferramenta de propaganda. Pequim vai escolher os locais aos quais a delegação terá acesso e vai ‘coreografar’ toda a visita”, denuncia a representante da minoria.

Centenas de uigures no exterior pediram nas últimas semanas a Bachelet que visite seus parentes detidos. Mas grupos de direitos humanos alertaram que a vigilância estatal e o medo de represálias impedirão que os uigures da região conversem de maneira livre com a equipe da ONU.

Sem jornalistas estrangeiros

Outra preocupação é sobre as informações que vão circular durante a estadia de Bachelet na China. Ao dar boas-vindas à comissária, o porta-voz do ministério chinês das Relações Exteriores, Wang Wenbin, afirmou que “as duas partes decidiram que não deve haver repórteres durante suas reuniões e viagens pelo país”. A alegação apresentada foi que, por razões sanitárias, visando respeitar a estratégia "zero Covid" imposta por Pequim, o ideal seria que a visita fosse realizada com uma comitiva bastante restrita e “em circuito fechado”.  

“Em si, isso já é um problema, pois a cobertura midiática ficará comprometida”, alertou em entrevista à RFI Marc Julienne, pesquisador do Instituto francês de relações internacionais (IFRI). Segundo ele, essa visita é “arriscada do ponto de vista político”, já que sem ter acesso a todos os locais e sem uma equipe de jornalistas estrangeiros acompanhando a missão, a alta comissária pode ficar à mercê da versão da visita apresentada por Pequim.

“Existe o risco de que autoridades chinesas tirem proveito dessa visita, dizendo para a opinião pública que a ONU foi até o Xinjiang e que a estadia foi positiva. E se Michelle Bachelet não tiver provas ou fizer críticas concretas, o governo chinês poderá dizer que se trata de uma campanha de desinformação [sobre a situação da minoria uigur]”, analisa.

O pesquisador compara a passagem de Bachelet com as visitas dos peritos internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) à China após a primeira onda da pandemia de Covid-19. Como a inspeção foi controlada pelas autoridades de Pequim e a comitiva não pode visitar os locais de Wuhan de onde suspeita-se que o vírus tenha iniciado a sua propagação, nenhuma conclusão pode ser tirada da viagem.

Mesmo assim, Pequim utilizou o episódio como argumento para isentar sua responsabilidade no surto, lembra Marc Julienne. “Sem ter acesso aos locais [onde os uigures estariam detidos], Bachelet não poderá nem condenar nem elogiar as iniciativas feitas por Pequim no Xinjiang”, alerta o pesquisador.

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