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"A data de 25 de novembro foi criada pelas feministas latino-americanas", recorda a mexicana Amália Fischer

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Pouca gente sabe ou recorda, mas as feministas latino-americanas cunharam o dia internacional para pôr fim à violência contra a mulher. A proposta foi discutida e aprovada no 1° Encontro de Feministas Latino-americanas e Caribenhas (Eflac), realizado em julho de 1981 em Bogotá, na Colômbia.

A feminista mexicana Amália Fischer, co-fundadora do Fundo Elas.
A feminista mexicana Amália Fischer, co-fundadora do Fundo Elas. RFI
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Eram os anos 1980, ditaduras governavam vários países na região, havia muitas mulheres presas ou exiladas na Europa e no Canadá, mas as feministas latino-americanas desafiaram as dificuldades de comunicação e organizaram seu primeiro encontro histórico no continente. A mexicana-nicaraguense Amália Fischer, radicada no Brasil há 24 anos e co-fundadora do Fundo Elas, estava lá e conta, em entrevista à RFI, como o tema da violência foi incorporado aos debates.

A ideia de organizar o primeiro Eflac partiu de feministas venezuelanas. Porém, elas não tinham os meios para patrocinar o evento e incentivaram as colegas colombianas a investir na proposta. Na época, não havia fundações e ONGs que destinavam recursos para iniciativas da sociedade civil. As ativistas financiavam suas ações com dinheiro do próprio bolso. Amália Fischer conta que pagou a viagem do México para a Colômbia em 12 prestações.

No dia 18 de julho de 1981, entre 250 e 280 mulheres de coletivos, sindicatos, da academia e dos centros feministas que floresciam na América Latina se reuniram em Bogotá. "Havia mesas de discussão sobre política, sexualidade e saúde, cultura e educação, mas não havia sobre violência. Daí decidimos instalar uma reflexão sobre a violência contra a mulher", recorda. Ela já participava das atividades do primeiro centro de apoio a mulheres violentadas criado no México, onde uma mulher era estuprada a cada 15 minutos.

A experiência da denúncia era, para as vítimas, mais um sofrimento. Como ainda ocorre em vários países, os policiais e médicos legistas eram homens e faziam as mulheres agredidas se sentirem culpadas, como se elas tivessem provocado a violência. "Mas já existiam pesquisas que demonstravam que as mulheres não têm culpa de nada, que o que acontece é um crime contra o corpo das mulheres, onde se usa como arma o membro sexual masculino em uma situação de poder", enfatiza a ativista.

Irmãs Mirabal

O assunto foi discutido no Eflac. As participantes sabiam que era necessário mudar a conceitualização das leis, para obter a proteção de mulheres e meninas. No último dia do evento, elas aprovaram a criação de um "dia internacional de não mais violência contra as mulheres". Escolhido o nome, faltava a data. No contexto das ditaduras em países da América do Sul e da América Central, as mulheres da região também eram vítimas de estupros e assassinatos políticos.

A dominicana Magaly Pineda Tejada (morta em 2016) sugeriu, então, uma reflexão sobre as mulheres que estavam sendo perseguidas por ditaduras. E a escritora Angela Hernández propôs uma homenagem às irmãs Mirabal, recorda Amália Fischer.

As dominicanas Minerva, Patria e María Teresa, filhas de um pequeno proprietário de terras, foram perseguidas, estupradas e assassinadas no dia 25 de novembro de 1960 pelo ditador Rafael Trujillo, que passou 31 anos no poder na República Dominicana. Da família de quatro irmãs, apenas uma sobreviveu à brutalidade do general. A data foi consensualmente aprovada.

As ativistas deixaram o 1° EFLAC com o compromisso de atuar para que cada país, no mundo inteiro, comemorasse o 25 de novembro. Nesse dia, todos devem repudiar qualquer tipo de violência contra as mulheres. "Não é uma celebração que a ONU tenha inventado. É uma data que sai do movimento feminista latino- americano e caribenho, o que quase ninguém sabe, e isso é uma história que precisa ser contada", destaca Amália Fischer.

Quatro décadas depois deste encontro histórico, a mexicana considera que a luta das feministas produziu resultados concretos. Muitos países adotaram políticas públicas e legislações para proteger meninas e mulheres da violência de gênero. Mas ainda há muito caminho pela frente nesta luta por direitos e respeito, como demonstra a nova geração. "As jovens feministas estão bárbaras, potentes nas redes sociais. Eu acho que conseguimos isso, que houve um avanço", conclui Amália Fischer.

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