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Irã acusa Arábia Saudita de bombardear sua embaixada no Iêmen

O Irã acusou nesta quinta-feira (7) a Arábia Saudita de bombardear deliberadamente sua embaixada no Iêmen, ferindo vários de seus funcionários. Se confirmado, o ataque representa mais uma escalada grave na tensão que degenera rapidamente as relações entre os dois países e acirra o conflito entre sunitas e xiitas no Oriente Médio. Também nesta quinta-feira, o Irã anunciou a suspensão das importações de todos os produtos do reino sunita e a proibição para que iranianos façam a peregrinação para a cidade sagrada de Meca, um dos preceitos do islamismo.

Soldado patrulha cercanias da embaixada iraniana em Sanaa, capital iemenita
Soldado patrulha cercanias da embaixada iraniana em Sanaa, capital iemenita AFP PHOTO / MOHAMMED HUWAIS
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"Esta ação deliberada da Arábia Saudita é uma violação de todas as convenções internacionais que protegem missões diplomáticas", declarou à televisão estatal o porta-voz do ministério iraniano das Relações Exteriores, Hossein Jaber Ansari. "O governo saudita é responsável pelo prejuízo causado e pela situação dos membros do corpo diplomático que foram feridos", afirmou, completando que "a República Islâmica se reserva o direito de defender seus interesses".

No início da semana, Riad cortou relações com o Irã em resposta a um ataque contra sua própria embaixada em Teerã. O prédio foi incendiado, assim como o consulado na cidade de Mashhad, por manifestantes revoltados com a execução do líder xiita Nimr Baqer al-Nimr. O imã, uma das mais importantes lideranças desta minoria na petromonarquia dominada por sunitas, foi morto pela Arábia Saudita no sábado, junto com outros 46 prisioneiros.

Apesar de causar a ira do mundo xiita, a execução foi minimizada pela comunidade internacional. O Conselho de Segurança da ONU se limitou a condenar o ataque contra a embaixada, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan declarou que a pena de morte é um assunto interno da Arábia Saudita. Mas Riad conhecia bem o tsunami que a morte de al-Nimr desencadearia: obrigaria seus aliados a distanciar-se do Irã e revoltaria o mundo xiita. Em outras palavras, aprofundaria o fosso entre sunitas e xiitas e inviabilizaria qualquer possibilidade de coalizão mista para enfrentar o grupo Estado Islâmico.

Crise diplomática calculada

Como era de se esperar, os países próximos dos sauditas tiveram uma reação estrondosa, até incongruente com a imediata condenação do executivo iraniano ao incêndio das representações diplomáticas: Bahrein, Sudão e Djibuti seguiram os passos de Riad e romperam laços com Teerã. Os Emirados Árabes Unidos rebaixaram suas relações; Kuweit e Catar convocaram seus embaixadores.

A oposição entre sauditas e iranianos já era visível no mapa regional: no Iêmen, por exemplo, o Irã sustenta a revolta dos xiitas hutis contra as forças governamentais apoiadas militarmente por Riad. Na Síria, Teerã participa da coalizão capitaneada pela Rússia em prol de Bashar al-Assad, enquanto os sauditas são aliados de grupos que lutam contra o presidente sírio.

Mas a maior contingência saudita com Teerã parece ser mais econômica do que geopolítica ou militar. O Irã, alijado financeiramente pela comunidade internacional por conta de seu programa nuclear, conseguiu concluir no ano passado um acordo com as potências estrangeiras que pode suspender as sanções e colocá-lo de volta no mercado externo. Isso significaria uma ameaça real à hegemonia saudita no Golfo Pérsico, sobretudo no setor energético, já que Teerã é uma economia robusta e um sério produtor de petróleo.

Não à toa, o reino sunita se opôs até onde pôde ao acordo nuclear, num movimento que o chefe da diplomacia iraniana Mohammad Javad Zarif classificou nesta quarta-feira como um boicote aos "esforços de paz" do resto do mundo. "Há dois anos e meio que a Arábia Saudita se opõe a todos os esforços da diplomacia iraniana", declarou o ministro. Nada pessoal: o ouro negro é a base da economia saudita e a raiz de sua influência política, econômica e ideológica no mundo.

Guerra especulativa

A entrada em cena do Irã poderia complicar ainda mais um jogo arriscado em que os sauditas se envolveram na segunda metade de 2014. Vendo que seu grande aliado norte-americano reduzia gradualmente sua presença política e militar no Oriente Médio, interessado em atirar-se sem demora na disputa de "gente grande" contra a China, Riad resolveu tentar um golpe econômico para obrigar os Estados Unidos a permanecer na região.

O único interesse real de Washington no Oriente Médio é o petróleo. Portanto, para sair daquele vespeiro, os Estados Unidos precisariam de uma alternativa energética - e ela veio graças à viabilização econômica do "fracking", o processo de extração do gás de xisto. Na segunda metade de 2014, os americanos atingiram a evolução tecnológica que permitiu explorar o recurso a um preço competitivo, desde que o mercado de petróleo se mantivesse relativamente estável. Mas, quem controla o mercado do petróleo, como líder da OPEP (Organização dos Países Exportatores de Petróleo), é a Arábia Saudita, e Riad simplesmente tentou afundar os planos americanos ampliando drasticamente sua produção.

Com isso, a oferta se sobrepôs à demanda, derrubando o preço do barril a um nível inferior ao que garantia a viabilidade econômica da cara extração de gás de xisto. Com o barril de petróleo aos cerca de US$ 60 que atingiu na metade de 2015, os produtores americanos de xisto começaram a quebrar, ameaçando o próprio sistema bancário norte-americano, que havia liberado créditos abundantes para o fracking. Claro que essa política de desvalorização afetou todos os produtores de petróleo do planeta - o Irã entre eles.

Movimento desesperado

Mas ao final de 2015, a maioria dos analistas já começava a apontar para o fato de que a Arábia Saudita teria cometido um grave erro de cálculo: a petromonarquia não teria fôlego para manter a superprodução por mais do que dois anos, tempo em que os Estados Unidos teriam desenvolvido a tecnologia necessária para baixar os custos do gás de xisto e restabelecer a concorrência em patamares vantajosos.

Talvez a leitura deste cenário tenha empurrado os sauditas a tentar transformar os conflitos descentralizados em que estão envolvidos em uma guerra entre sunitas e xiitas. A execução de Nimr al-Nimr poderia ser a chave para este câmbio na face do conflito e ainda enterraria qualquer perspectiva de formação de uma coalizão mista para enfrentar o grupo Estado Islâmico.

Afinal, a Arábia Saudita não teria grandes motivos para lutar contra o avanço do grupo Estado Islâmico. Este aliado do ocidente, principal propagador e financiador mundial da ideologia jihadista, tem muito mais semelhanças do que diferenças com a organização ultraconservadora: os dois fazem a mesma leitura fundamentalista do alcorão, os dois aplicam da mesma maneira a lei islâmica sharia, os dois realizam decapitações em massa, os dois são sunitas wahabistas; os dois promovem a misoginia e os dois vendem o jihadismo como ideologia internacional. Talvez a diferença esteja no fato de a Arábia Saudita ser hoje o que o grupo Estado Islâmico luta para se tornar: um estado autoritário regido pela religião e montado em petrodólares.

Além disso, essa é uma guerra que mantém o Ocidente, principal vendedor de armas para Riad e principal comprador de petróleo, mobilizado no Oriente Médio.

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