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Argentina/Crise

Ao contrário de 2001, calote argentino não deve ter consequências imediatas

A palavra “calote” costuma causar calafrios entre a população argentina, escaldada pelo histórico de trapalhadas econômicas de seus governantes. Mas tudo indica que o default técnico em que o país deve entrar a partir de amanhã – que seria o oitavo desde 1827 – está mais para um calote jurídico do que financeiro.

O juiz federal Thomas Griesa no distrito sul de Nova Yorque, 22 de julho de 2014.
O juiz federal Thomas Griesa no distrito sul de Nova Yorque, 22 de julho de 2014. REUTERS/Jane Rosenberg
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A Argentina tem nesta quarta (30) apenas algumas horas para chegar a um acordo com os credores, mas depois de um dia inteiro de negociações na terça-feira, sem resultados, as perspesctivas não são animadoras. As consequências do embrolho, no entanto, vão depender do volátil humor dos mercados. Só que a margem para ocorrer uma tragédia econômica é menor do que das outras vezes. Para se ter uma ideia, o valor da dívida internacional da Argentina – o que os especialistas chamam de “universo do calote” – dessa vez atinge US$ 29 bilhões de dólares, um número bem menor, por exemplo, que os US$ 81 bilhões que arrasaram o país na crise de 2001.

O paradoxo da situação reside neste dado: apesar do default, a dívida argentina está sob controle. 93% dela está negociada e tem calendário de pagamento para os próximos 20 anos. O problema são os outros 7%, os tais “investidores abutres”, que estão levando o país aos tribunais e impedindo que os outros 93% recebam. O próprio valor que deveria ser pago a estes abutres, cerca de US$ 1,3 bilhão, não seria nenhum rombo para o bolso argentino.

O problema é que pagar os abutres que foram à justiça significaria ter que pagar todos os outros – e então o valor da brincadeira subiria para US$ 15 bilhões. Pior: até mesmo os 93% que já renegociaram a dívida poderiam voltar atrás e querer receber tudo também – então o valor dispararia para US$ 120 bilhões.

Calote seria opção política

O economista Luiz Augusto Faria, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nos explica a diferença do atual calote: “A origem de tudo é a globalização financeira do final dos anos 70. Havia excesso de liquidez internacional, com recessão nos EUA e Europa, e os bancos internacionais ficaram empossados de recursos que não aplicavam lá. Isso causou o endividamento do terceiro mundo. Causou diversos defaults e renegociações de dívidas. Nos anos 90, isso foi mais ou menos estruturado, mas então a Argentina entrou naquela política maluca do câmbio fixado por lei. Foi acumulando déficits no balanço de pagamento, se endividou e quebrou. Mas a situação atual é completamente nova. É muito mais jurídica do que problema da economia Argentina.”

O professor Francisco Panizza, da London School of Economics, que se especializou na crise de 2001, diz que, desta vez, o calote é opção política: “São situações diferentes, embora a situação de hoje seja um legado de 2001, mais especificamente o legado da recusa em se comprometer em negociar com os holdouts. Então, em 2001, a Argentina não tinha alternativa fora o calote. Mesmo que dissessem que o calote foi um tipo de vitória para Argentina, não havia opção. Desta vez, não é preciso entrar em default. É uma decisão política. O único paralelo que eu vejo entre as duas crises é que em ambos a retórica da Argentina é a de vitima do mercado financeiro, nunca há nenhum tipo de reconhecimento da dívida.”

Impacto não pode ser subestimado

Se por um lado a situação da dívida não é desesperadora, os outros números da economia argentina são ruins: recessão de 2,5%, inflação de 30% ao ano e desvalorização do peso em 20% em 12 meses. É esse conjunto de dados que poderá ser potencializado com a situação de calote técnico. O default também tem um valor simbólico: ele vai dificultar o retorno da Argentina ao mercado financeiro, de onde está alijada já há 14 anos.

Ainda é difícil precisar as consequências de um possível descontrole da economia argentina para o restante do Mercosul, mas, para Panizza, é possível que o contágio seja pequeno mesmo para o Brasil, cuja fatia das exportações para o país vizinho é de 8%: “"É quase inevitável que, com o default, a Argentina tenha que reduzir as importações para poder acumular o máximo de moeda possível. Isso vai impactar as exportações dos países do Mercosul. Terá impacto, mas nada que seja uma catástrofe para o Mercosul.”

Para Panizza, a real dimensão da crise econômica que o default argentino pode causar dependerá do tempo em que o impasse judicial levar para ser resolvido. Segundo ele, o objetivo da Argentina é arrastar o caso até janeiro de 2015, quando vence uma das cláusulas dos contratos que obrigam o país a negociar igualmente com todos os credores.

Entenda a crise argentina:

Como se chegou ao atual impasse?

O novo default é um eco da crise de 2001, quando o país deu um calote “real”. Entre 2005 e 2010, o governo reestruturou a dívida e 93% dos credores, que aceitaram receber com redução de até 65%. Entre os 7% que não aceitaram, estão os investidores abutres, que compram dívidas de países justamente para cobrar o valor integral na justiça.

Por que deve ocorrer o default?

Em 2012, uma corte de Nova York determinou o pagamento da dívida integral para alguns desses investidores abutres. O valor chega a US$ 1,33 bilhão. O juiz do caso determinou que a Argentina não poderia continuar pagando os outros 93% se não pagasse os abutres. A Argentina depositou o valor dos 93% em juízo, mas mesmo assim os credores não receberam. Deu-se então o default técnico.

A Argentina tem o dinheiro para pagar?

Sim, tanto para pagar os credores que negociaram, quanto para pagar os abutres que estão na Justiça pedindo os US$ 1,33 bilhão. O problema é o efeito cascata que isso causaria: se pagar a estes, poderiam ter que pagar a todos, e o montante subiria a inviáveis US$ 120 bilhões.

Quais as opções da Argentina?

Pagar o que determinou a corte e então se expor a várias outras ações de outros credores. Ou esperar até janeiro, quando vence a cláusula RUFO (Direitos Sobre Ofertas Futuras) do contrato. Esta cláusula é precisamente a que diz que, se a Argentina pagar integralmente o que deve aos fundos especulativos, como manda a sentença da Justiça, deve pagar também a todos os credores. Ainda assim precisaria obter uma liminar da Justiça Americana, que tem se motrado bastante difícil.

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