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O Mundo Agora

Apesar de se mostrar forte, Rússia é muito vulnerável

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Na crise ucraniana, Vladimir Putin está jogando com uma grande vantagem relativamente à Europa, aos Estados Unidos e às autoridades de Kiev. Primeiro, ele decide sozinho enquanto os outros são muitos e portanto as decisões são bem mais difíceis. Segundo, ele sabe que europeus e americanos não estão dispostos a encarar um enfrentamento militar com Rússia. Moscou pode acumular tropas na fronteira, mandar estranhos “turistas” russos mascarados e armados para atacar órgãos públicos nas cidades orientais da Ucrânia e multiplicar as provocações quase impunemente.

Pró-russos da Ucrânia pedem ajuda a Putin
Pró-russos da Ucrânia pedem ajuda a Putin REUTERS/Mikhail Klimetyev/RIA Novosti/Kremlin
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O objetivo é impedir que surja em Kiev qualquer governo legítimo e independente de Moscou. Durante a Guerra Fria isto se chamava “finlandização”: a Finlândia não fazia parte do bloco soviético mas não podia fazer nada sem a anuência dos russos. Uma espécie de protetorado justificado com o argumento falacioso de que a Rússia tem todo o direito de controlar Estados tampões para garantir a sua segurança. E dane-se para tampão e suas populações!

 

Depois de engolir a Crimeia, o objetivo básico de Putin é fragmentar a Ucrânia, transformando as províncias do Leste – onde se concentram as populações russófonas – em entidades federais praticamente autônomas e protegidas diretamente pelo exército e os serviços de inteligência russos.

Qualquer governo central ucraniano seria portanto extremamente frágil e dependente de Moscou. Só que o apetite aumenta com as perspectivas de comer. Se foi possível anexar a Crimeia e que tudo fique por isso mesmo, porque não continuar?

Por enquanto a tática utilizada pelo Kremlin parece mais uma improvisação ou um teste: manter a provocação e a intervenção militar clandestina para ver até onde ela pode ir sem que Washington e Berlim comecem a reagir seriamente. E enquanto isso preparar uma negociação com os Ocidentais sobre a finlandização da Ucrânia.

A curto prazo, o líder russo parece estar com a faca e o queijo na mão. Mas a médio e a longo prazo a coisa muda. De saída, essa violação descarada de todas as regras internacionais que garantem a soberania e a integridade territorial dos Estados já destruiu qualquer resquício de confiança que ainda podia existir com relação ao Kremlin.

Ainda não entramos em outra Guerra Fria, mas sem dúvida já estamos numa tensão gelada. A crise veio para ficar e se não houver mudanças políticas em Moscou, vai durar vários anos, no mínimo. A Aliança Atlântica, que já estava quase periclitando, ganhou nova vida. Uma coalizão de países democráticos ricos e com uma variedade de interesses, têm sempre dificuldades para estabelecer uma estratégia comum.

Mas quando são impelidos por uma ameaça verdadeira, são capazes de constituir uma frente poderosíssima, como aconteceu durante a Guerra Fria. E a diferença hoje é que a Rússia de Putin é infinitamente mais vulnerável do que a velha União Soviética.

As Forças Armadas russas, com seus armamentos vetustos e sua organização antiquada, não têm nenhuma condição de enfrentar os países ocidentais. Mandar alguns comandos para pequenas cidades ucranianas é fácil, responder a um “basta” ocidental são outros quinhentos. Pior ainda: a economia russa está em frangalhos e portanto extremadamente indefesa em caso de sanções econômicas mais sérias.

Dezenas de bilhões de dólares estão fugindo para o exterior, a previsão de crescimento é um “pibinho” de 0,5% e os preços atuais do petróleo não dão para fechar o orçamento público e todas as promessas feitas por Putin ao povão russo. E não há dúvida de que se o Kremlin insistir com suas manobras imperialistas, vem sanções econômicas feias por aí.

Putin só leva vantagem no hoje e agora. Quanto mais durar a nova tensão gelada, mais a Rússia pós soviética, envelhecida e falida, vai ter que engolir – como sempre na sua história – as suas ambições imperiais. O problema é que nessa volta da geopolítica, erros de apreciação sempre podem acontecer. Há 100 anos atrás, em 1914, ninguém queria a guerra. E acabou sendo um dos conflitos mais sangrentos da história da humanidade.

 

Clique no ícone acima para ouvir a crônica de política internacional de Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris.

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