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Macron quer obrigar pais ausentes a visitarem filhos e gera controvérsia na França

O presidente francês Emmanuel Macron disse em entrevista à revista Elle que era necessário abrir um debate sobre o “dever de visita” do pai aos filhos em caso de divórcio ou separação. A ideia de obrigar os progenitores ausentes a participarem da educação dos filhos divide opiniões e causa reações de associações e especialistas na França.

O presidente francês Emmanuel Macron quer abrir o debate sobre o "dever de visita", com a possibilidade de sanções para pais ausentes. Foto de ilustração.
O presidente francês Emmanuel Macron quer abrir o debate sobre o "dever de visita", com a possibilidade de sanções para pais ausentes. Foto de ilustração. © Shutterstock / KieferPix
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De acordo com o último estudo do Instituto Nacional de Estudos Demográficos (INED), publicado em 2005, quase 10% dos menores franceses não tinham contato com o pai. O próximo estudo sobre o assunto será publicado em 2025 e a questão parece não ter evoluído.  

Atualmente, apenas 12% dos menores de famílias separadas na França estão em regime de guarda compartilhada e igualitária, segundo dados do INSEE de 2020. O restante vive com apenas um dos progenitores, principalmente a mãe (86%). Nesses casos, geralmente é concedido direito de visita ou de dormir na casa do outro pai, em fins de semana alternados e na metade dos feriados.

“Eu quero que a gente possa abrir o debate sobre criação de filhos e um debate sobre a igualdade entre mulheres e homens, que é o de criar um dever de visita, um dever de acompanhamento até a idade adulta dos filhos”, disse Emmanuel Macron em uma entrevista à revista feminina Elle, na quarta-feira (8). Segundo o chefe de Estado, o tema deve ser discutido para tentar colocar fim às disparidades entre mulheres e homens.

“Quando existe um pai, ele deve exercer todos seus deveres e a mãe, quando ela está nessa situação, que ela possa exigir visitas regulares”, alegou. “É um dever ser pai, um dever que não acaba no momento do divórcio ou da separação”, disse o presidente francês na entrevista divulgada em vídeo no site da revista.

“Tenho certeza de que é necessário um pai e uma mãe (..) Os pais devem exercer suas responsabilidades, os dois. E eu acho que temos que mudar culturalmente nossa sociedade”, disse. “Porque uma criança que não vê nunca o pai se sente abandonada. É uma criança cujo desenvolvimento afetivo, educativo, não é o mesmo. Então eu acho que é uma medida fundamental”, completou o presidente.

Autoridade e autorizações

As declarações causaram reações imediatas de associações e especialistas.

Em carta aberta publicada no sábado (11) no jornal Libération, o Coletivo de Mães Isoladas e Justiça das Famílias argumenta que não é possível transformar um pai ausente em bom pai somente através da presença física.

A associação salienta que o direito de visita previsto na lei francesa causa muitos problemas para as mães que, na maioria dos casos, ficam com a guarda da criança. Elas e os filhos acabam ficando à mercê dos pais.

“Quantas crianças esperam em vão, nos fins de semana, com o rosto pregado na janela, pela chegada de um pai negligente? Quantas mães têm que confortar os filhos, encontrar as palavras certas enquanto são obrigadas a fazer as malas no fim de semana seguinte para repetir a mesma cena de esperança frustrada?”, diz a carta.

Por outro lado, como estes pais têm autoridade parental, apesar de ausentes, as mães são obrigadas a pedir autorização para todos os atos ditos não habituais (acompanhamento psicológico, procedimento médico, matrícula escolar, viagens, mudança, etc.). Elas também têm o dever de apresentar os filhos para as visitas sob risco de pena de um ano de prisão e uma multa de € 15.000 caso a medida não seja respeitada.  

“Mesmo que o pai seja ausente, negligente ou violento, a mãe é obrigada a entregar os filhos”, se for decidido pela Justiça, lembra o coletivo, que lamenta que a ideia de que um cônjuge violento pode ser um bom pai ainda prevalece na prática dos juízes das varas de família.

Para Sarah Margairaz, uma das fundadoras do coletivo, um pai que não assume suas responsabilidades deveria ter pelo menos parcialmente retirada a autoridade parental, a fim de libertar a mãe da necessidade de “pedir sua permissão para tudo”.

Sanções 

Já para a advogada especialista em direito de família Elisa Aboucaya, entrevistada pela revista Elle, a lei é uma boa ideia. “É interessante ainda que seja muito difícil obrigar um pai – porque na maior parte do tempo é um pai – de exercer um dever de educação”, reconhece.

“Hoje, o direito de visita não é uma obrigação porque não existem sanções se ele não é respeitado. Eu acho que o dever de visita permitiria uma construção mais harmoniosa das crianças”, defende. “Além disso, é do interesse do pai, a partir do momento em que ele teve um filho, de assumir a responsabilidade mesmo quando a relação com a mãe terminou. É absolutamente indispensável (...) Hoje é muito pesado para as mulheres responsáveis por famílias monoparentais”, diz.

Mas o psiquiatra Serge Hefez rebate e diz que a ideia não passa de uma “estratégia de comunicação”. “Falar do dever (de visita) dos pais é criar uma espécie de obrigação moral em situações concretas muito complexas”, diz.

“Há pais que se desvinculam porque não querem assumir a paternidade, outros porque se encontram numa situação de separação extremamente conflituosa”, e ainda há outros que são materialmente incapazes, sublinha o especialista.

Apoio aos pais

Para Serge Hefez, “antes de falar em multas, é preciso falar em prevenção”: “antes de forçar (os pais), trata-se de incentivá-los” a ocupar seu lugar.

Um sistema de apoio parental (mediação, locais de escuta, etc.) foi criado em 1999, mas “não funciona suficientemente” porque “não é conhecido nem suficientemente subsidiado”, embora possa dar bons resultados, lamenta o psiquiatra.

Já a vice-presidente da Associação de Mediação Familiar (APMF) sublinha que “a dificuldade de acesso à criança é da responsabilidade tanto da mãe como do pai”.

 “É verdade que os pais não tomam medidas suficientes para encontrar regularmente os seus filhos, mas também acontece, e em muitas situações, que as mães impedem esse acesso”, acrescenta a mediadora que trabalha na cidade de Lille, no nordeste da França.

“Em caso de conflito, cada pai usa uma arma. ‘Não pago pensão alimentícia’, para o pai (na maioria das vezes), ‘não apresento o filho’, para a mãe”, diz ela defendendo que mediação, muitas vezes financiada pelo Estado, permite “expressar em palavras as dificuldades vividas” e pode levar ao “apaziguamento familiar”.

No início de 2024, 20% dos pagamentos de pensão alimentícia não eram feitos, segundo a Caixa de prestações familiares (CAF).

“Há pais revoltados, que dizem ‘estão tirando todos os meus direitos paternos, só estou aqui para pagar'”, sublinha Fatimata Sy, fundadora dos Gilets Roses, um coletivo de mães para prevenção da violência. Ela faz um apelo à “capacitação dos pais”, concedendo o máximo possível a guarda compartilhada para que eles participem na educação dos filhos.

(RFI e AFP)

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