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Em periferia de Paris, jovens aprendem a agir contra abordagens policiais discriminatórias

Quando a polícia matou a tiros um adolescente de origem árabe durante uma abordagem de trânsito perto de Paris no mês passado, o fato provocou tumultos em toda a França -e trouxe de volta aos holofotes a questão do racismo da polícia francesa. Em um subúrbio parisiense, uma ex-policial decidiu ensinar os jovens de todas as origens a defender seus direitos, especialmente durante os controles de identidade.

O bairro de Chene-Pointu, em Clichy-sous-bois, onde três semanas de tumultos contra policiamentos racistas tiveram início em 2005. AFP/ALEXANDER KLEIN
O bairro de Chene-Pointu, em Clichy-sous-bois, onde três semanas de tumultos contra policiamentos racistas tiveram início em 2005. AFP/ALEXANDER KLEIN AFP/ALEXANDER KLEIN
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São 8 horas da manhã em uma periferia de Paris. Pergunta: por que a polícia tem o direito de parar Kevin? "Primeiro - é o trabalho deles. Dois - ele cometeu um delito. Três - eles têm ordens para isso. Quatro - eles sentiram vontade".

Os participantes gritam suas respostas enquanto Fanta Kébé, uma ex-policial, os questiona sobre o que acabaram de aprender. Em um workshop organizado no último fim de semana pela organização sem fins lucrativos Lol'idays, no subúrbio de Vitry-sur-Seine, no sul de Paris, ela passou dois dias orientando esses jovens sobre o que fazer se - ou quando - forem parados pela polícia.

A orientação vai desde a compreensão das bases legais para controles policiais até conselhos específicos sobre como se comportar.

"Em um controle policial preventiv, é assim que você pergunta ao policial o motivo pelo qual foi parado - perguntando: 'qual é a ameaça à segurança das pessoas ou à propriedade no local que eu represento?' É uma frase muito formal", diz Kébé ao grupo.

Um aluno comenta: "Parece litigioso".

Kébé concorda. "Parece tão litigioso que eles se perguntarão se você é advogado. Mas se eles simplesmente lhe disserem 'bem...', trata-se apenas de discriminação racial", aponta a ex-policial.

Um padrão de longa data

O governo francês resistiu vigorosamente às acusações de racismo após o assassinato de Nahel Merzouk, o jovem de 19 anos cujo assassinato durante uma abordagem policial provocou uma semana de tumultos no final de junho na França.

Após o assassinato, especialistas da ONU, entre outros, disseram que estavam preocupados com o fato de a polícia francesa ter como alvo as minorias étnicas com excessivas verificações de identidade, buscas discriminatórias e linguagem racista.

"Qualquer acusação de racismo ou discriminação sistemática por parte da polícia na França não tem fundamento... Qualquer discriminação étnica por parte da polícia é proibida na França", declarou o Ministério das Relações Exteriores em resposta às acusações, insistindo que os esforços foram intensificados para reprimir tais práticas.

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As pessoas que participaram do workshop em Vitry contam uma história diferente. Um jovem disse que participou do workshop "para saber por que às vezes a polícia reage de forma diferente com meus amigos quando eles não são brancos como eu". 

"Nenhum dos brancos foi parado, enquanto meus amigos negros e árabes foram imobilizados e revistados sem que tivessem feito nada", disse outro.

As estatísticas corroboram suas histórias. Uma investigação de 2017 realizada pelo ombudsman de liberdades civis da França, o Défenseur des Droits [Defensor Público], constatou que "homens jovens considerados negros ou árabes" tinham 20 vezes mais probabilidade de serem submetidos a verificações de identidade pela polícia do que o restante da população.

Em uma amostra de mais de 5.000 pessoas, 80% desses homens disseram ter sido parados nos últimos cinco anos, em comparação com 16% de outros grupos demográficos.

"O que você está me dizendo, infelizmente, é muito comum", responde Kébé aos participantes que relatam tratamento policial diferente de acordo com a raça.

"Você não foi parado, seu amigo branco também não. Foram pessoas negras e árabes. Porque essas pessoas, sejamos honestos, são vistas pela polícia francesa como automaticamente criminosas", critica.

David Dreux, um policial em serviço em Vitry, reconhece que é assim que muitos jovens dos subúrbios da França percebem a situação. 

"Eles têm uma imagem particular da polícia", disse à reportagem da RFI. "Para eles, isso significa apenas racismo e violência policial. Tudo o mais que fazemos em termos de prevenção e policiamento comunitário é simplesmente esquecido", comenta.

Guia de instruções para abordagens policiais

Kébé, que, assim como Dreux, é negra, passou 11 anos na força policial francesa. Agora ela trabalha como jornalista, escrevendo sobre supostos abusos policiais, e como educadora ensinando sobre direitos civis.

"Durante minha carreira, observei que nem os jovens, nem os mais velhos, compreendiam plenamente seus direitos. Eles eram submetidos a verificações policiais e não sabiam sobre seus direitos mais fundamentais", diz ela em um vídeo em seu perfil no Twitter.

"O objetivo desse treinamento é que todos os participantes terminem com bastante conhecimento sobre os direitos que têm durante uma abordagem policial."

Isso inclui saber como se defender, mas sem agravar a situação. Parte do workshop envolve a análise de interações reais que os participantes tiveram com a polícia e a discussão do que poderia ter sido diferente.

"Para começar, a violência não é uma saída. Você não deveria ter corrido e ele não deveria ter ficado violento, isso é certo", diz Kébé a um jovem que foi parar em uma delegacia de polícia acusado de desrespeito à autoridade pública.

"Você o insultou? Não, então isso é inventado. Mas, mesmo assim, você deveria ter parado. Sim, é claro que você deveria", insiste ela, sob exclamações do grupo.

"Ele mandou você parar, então você não deve fugir. Especialmente se você não fez nada de errado. Você não deve fugir. Mas você pode registrar uma queixa por violência, em outra delegacia de polícia", explica ela.

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