Migrantes nus após detenção: uma prática humilhante, mas usada regularmente na fronteira greco-turca
Grécia e Turquia se acusam mutuamente, após o resgate de 92 migrantes encontrados nus pelas autoridades gregas e pela Frontex, a agência da União Europeia encarregada de vigiar as fronteiras do bloco. A ONU pede uma investigação completa. Vários casos de exilados obrigados a ficarem nus ao serem detidos por guardas fronteiriços gregos e turcos já foram documentados.
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De cabeça baixa, dezenas de jovens, principalmente afegãos e sírios, caminham nus em fila indiana pelos matagais na fronteira greco-turca. Alguns se ajoelham na grama. Eles tentam esconder seus genitais com as mãos.
A imagem degradante, embora os rostos estejam desfocados, foi compartilhada nas redes sociais pelo ministro grego da Migração, Notis Mitarachi, para denunciar o episódio que classificou de "desgraça para a civilização".
Os 92 migrantes mostrados nesta imagem foram encontrados nus, alguns com "ferimentos visíveis", pelas autoridades gregas apoiadas pela Frontex, na sexta-feira (15). Atenas garante que esses homens foram forçados a atravessar o rio Evros, que separa a Turquia da Grécia.
De acordo com as autoridades gregas, os migrantes disseram à polícia e aos agentes da Frontex que haviam sido forçados pelas autoridades turcas a entrar em três veículos que os levaram para a fronteira. Eles teriam sido forçados a se despir antes de embarcar.
Profundamente "chocado" com o tratamento "cruel e degradante" infligido aos migrantes encontrados nus, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) pediu uma "investigação completa sobre este incidente". A agência da ONU informou que ainda não conseguiu falar diretamente com o grupo de migrantes, mas espera poder fazê-lo nos próximos dias, quando essas pessoas forem transferidas para o centro de acolhimento e identificação em Fylakio, na fronteira norte da Grécia.
UNHCR is deeply distressed by the shocking reports and images of 92 people, who were reported to have been found at the Greek-Turkish land border, stripped of their clothes.
— UNHCR, the UN Refugee Agency (@Refugees) October 16, 2022
We condemn such cruel and degrading treatment and call for a full investigation into this incident.
Contactada pela reportagem, a Frontex declarou, por seu lado, ter informado o responsável pelos direitos fundamentais da agência de uma potencial violação dos direitos destes migrantes.
A denúncia veio à tona no momento em que as entradas irregulares na União Europeia (UE) aumentaram 70%, entre janeiro e setembro deste ano, em comparação com o mesmo período de 2021, atingindo um nível máximo desde 2016, de acordo com o anúncio feito pela Frontex, na quinta-feira (13).
O caso de migrantes nus reforça suspeitas sobre as práticas da Frontex, já na mira dos europedutados. Nesta terça-feira (18), eles se recusaram a validar as contas do ano de 2020 da agência de vigilância das fronteiras da União Europeia, após a divulgação de um relatório do Olaf, o Organismo Europeu de Luta Antifraude, que denunciou deportações ilegais de migrantes, o que vai contra as prerrogativas da agência.
Casos repetidos de exposição
A Grécia, que acusa a Turquia de estar por trás do episódio, descreveu o caso como "desumano", enquanto acusa Ancara de "instrumentalizar a imigração ilegal". A Turquia, no entanto, nega qualquer envolvimento no tratamento degradante infligido a esses refugiados.
"Através dessas ações ridículas, a Grécia mais uma vez mostra ao mundo inteiro que não respeita a dignidade dos povos oprimidos, publicando as fotos dos refugiados que deportou depois de os ter despojado de seus pertences pessoais", disse diretor de comunicação da Presidência turca, Fahrettin Altun, chamando à responsabilidade o seu vizinho grego.
The Greek machine of fake news is back at work…
— Fahrettin Altun (@fahrettinaltun) October 16, 2022
Minister of Immigration and Asylum of Greece, who seems to have mistaken Türkiye for his own country, attempted to cast suspicion on our country by sharing false information.
Em junho de 2021, as autoridades turcas fizeram o mesmo, compartilhando uma foto de um pequeno grupo de migrantes totalmente nus. Segundo eles, esses homens haviam sido presos na Grécia, espancados, despidos, privados de água e comida e devolvidos à força para o outro lado da fronteira.
Enquanto a Grécia e a Turquia culpam-se mutuamente, os dois países são regularmente apontados por ONGs e várias investigações jornalísticas pela deportação ilegal e violenta de migrantes. Reagindo ao incidente no domingo, a ONG Mare Liberum disse que "na região de Evros, os crimes contra os direitos humanos são sistemáticos e cometidos diariamente pela Turquia e pela Grécia".
"As expulsões são raramente desprovidas de violência e tratamento desumano. As denúncias são, infelizmente, muito regulares", afirma a Domitille Nicolet, coordenadora e advogada da associação Equal Legal Aid (Ela), com sede em Tessalônica.
Vários casos de migrantes cujas roupas foram confiscadas foram registrados na fronteira greco-turca. Um relatório da Rede de Monitoramento da Violência Fronteiriça (BVMN) de 2020, acusa particularmente a Grécia. De acordo com este documento, os guardas de fronteira gregos recorreram a tratamento degradante e violento durante as repressões ilegais. Cerca de 89% das histórias recolhidas por esta ONG mencionam espancamentos injustificados e 44% dos migrantes afirmam ter sido obrigados a ficar nus. “Detenções em massa, com até 120 pessoas trancadas no mesmo espaço” também são comuns.
(Com informações de Infomigrants)
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