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Economia/ OMC

Exclusivo: candidato brasileiro à direção da OMC diz que não vai impor temas brasileiros

Embaixador brasileiro na Organização Mundial do Comércio há cinco anos, o diplomata Roberto Azevedo acompanha há mais de 15 as negociações comerciais internacionais, e agora quer ocupar o cargo máximo da entidade. Na semana passada, ele apresentou as suas propostas aos países-membros, a primeira etapa da seleção do novo diretor-geral para o mandato de 2013 a 2017. Em entrevista exclusiva à RFI, Azevedo destaca que uma das suas prioridades seria destravar a Rodada de Doha e avançar na liberalização do comércio internacional. “Não podemos esperar que as estrelas se alinhem”, afirmou. Leia os principais trechos da conversa, realizada na sexta-feira.

O Brasil apresentou a candidatura do embaixador Roberto Azevêdo para a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).
O Brasil apresentou a candidatura do embaixador Roberto Azevêdo para a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). www.itamaraty.gov.br
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O que diferencia o Roberto Azevêdo candidato à direção-geral da OMC do Roberto Azevêdo embaixador do Brasil da organização em Genebra?
Roberto Azevêdo: A pessoa é a mesma. As decisões de foro íntimo são as mesmas. O que muda, na verdade, são as instruções que eu estarei recebendo. Como embaixador, eu recebo instruções do governo brasileiro e tento cumprir as instruções, os objetivos que o governo brasileiro quer atingir. Como diretor-geral da OMC, as instruções vêm dos membros, e eu tenho que cumprir os objetivos que a organização me encomenda. O que muda é isso. A pessoa é a mesma, e o modo de atuar é essencialmente o mesmo. Portanto as duas pessoas são muito próximas, mas com chefes diferentes, vamos dizer assim.

Na apresentação da sua candidatura, o senhor disse que as suas posições pessoais nem sempre são as mesmas que o senhor defende enquanto embaixador do Brasil. O senhor poderia ser mais claro? Dar alguns exemplos?
Não, eu não disse isso. O que eu disse, na minha apresentação, foi que pela primeira vez naquele organismo, eu estaria respondendo às questões que me fossem colocadas do ponto de vista estritamente pessoal. O único objetivo de eu dizer foi o de dizer que, ao responder àquelas perguntas, eu não poderia estar sendo interpretado como representando uma posição do governo brasileiro. Só isso. Nada mais do que isso.

Mas enquanto diretor-geral, o senhor se vê, eventualmente, em uma posição de discórdia em relação ao que o governo brasileiro defende?
Isso depende dos membros. Os membros é que definem, os membros é quem me dão instruções. E entre os membros está o próprio Brasil. Não se esqueça de que, na OMC, as decisões são tomadas por consenso. Então, para eu receber instruções claras dos membros de que eu devo atuar em uma direção ou em outra, o Brasil tem que estar de acordo, porque ele é parte do consenso que será formado na organização.

Como o senhor pretende amenizar o aspecto das acusações de protecionismo que o governo brasileiro recebe de alguns membros e os efeitos que isso tem sobre a sua candidatura? Essa é uma questão bastante recorrente.
Na verdade é mais recorrente na imprensa do que nas conversas aqui em Genebra. Eu não ouvi nenhum delegado, ninguém, fazer nenhum tipo de acusação ao protecionismo brasileiro, ou pelo menos do suposto protecionismo brasileiro e como que isso atrapalharia a minha atuação como candidato, a minha performance como candidato ou mesmo como diretor-geral. Aqui, as pessoas entendem perfeitamente que embaixadores, representantes permanentes seguem instruções e tem que cumprir com as suas instruções. Eles não estão aqui atuando com base em convicções próprias. Eles têm que fazer o que os seus governos pedem e cumprir as metas que são tratadas pelos governos. A imprensa é que especula mais, que isso possa ser um problema, que se candidato é do Brasil haverá uma resistência porque o país de onde ele vêm tem uma determinada orientação de política comercial. O que eles mais se preocupam aqui, na verdade, é com as características pessoais do candidato. Ele é um candidato que pode ou não pode cumprir o trabalho que é encomendado a ele? Ele tem o perfil necessário ou não? É com isso que as pessoa se preocupam mais aqui.

De qualquer forma, com a atual crise, poucos países, se que é que algum, escapam desta tendência protecionista.
Os países vão adotando políticas que se conformam com o momento econômico que eles vivem. Isso é natural. Você vê países que, em determinados momentos, estão mais propensos a uma abertura comercial, devido a uma definição política que foi tomada. Outros, menos. E isso vai mudando. Uma das coisas que eu disse na minha apresentação é que nós não podemos ficar esperando pelo momento ideal, porque nós nunca vamos ter os quase 160 países no mesmo ciclo econômico. Eles vão estar em ciclos diferentes, e nós não podemos ficar esperando que as estrelas se alinhem. Então temos que trabalhar com a diversidade de momentos econômicos e conviver com isso.

O senhor já disse que não traria à tona o debate sobre a manipulação do câmbio, um tema no qual que o Brasil insiste há bastante tempo. Que bandeiras “brasileiras” o senhor eventualmente tentaria levantar na OMC, se ocupasse o cargo de diretor-geral?
Quem tem que levar as bandeiras brasileiras – e é importante que isso fique muito claro – é o embaixador do Brasil. O Brasil terá um embaixador, um representante permanente, que vai ocupar o meu lugar. E é ele quem vai ter que definir, vai receber instruções do governo brasileiro sobre as bandeiras, os programas, os projetos que são importantes para o Brasil. A minha função, enquanto diretor-geral da OMC, é ser um facilitador, é ser uma pessoa neutra, independente, que tenha a capacidade de ouvir todos os lados e ajudar no dialogo que os membros queiram ter. Na medida em que eu esteja ali, tentando avançar com a agenda do Brasil ou de qualquer outro país, eu deixei de ser imparcial e deixei de ser independente. Eu passei a ser agente de um determinado país ou grupo de países. E aí eu perdi, por definição, a confiança dos membros e não estou cumprindo com o meu mandato.

O que o leva a crer que, nesta disputa, a sua candidatura vai prevalecer diante das candidaturas dos outros dois latinoamericanos que também desejam chegar à direção?
Eu acho que a minha maneira de ver a OMC, o projeto eu imagino que seja o futuro da OMC são visões compatíveis com o que uma boa parte dos membros da OMC espera que aconteça. Acho também que a minha trajetória profissional me deixa otimista em imaginar que eu possa ajudar, por exemplo, no processo das negociações, porque eu conheço os temas, conheço o histórico das negociações, conheço as posições dos países, o que faz com que, diante de impasses, eu seja capaz de ajudar os membros a encontrar soluções criativas, inovadoras e factíveis também. Eu acho que é um traço único nas candidaturas. Os outros candidatos têm excelentes perfis. Eu espero que o meu perfil seja o mais adequado para este momento que a OMC vive - e eu espero que os membros concordem com isso.

Falando em negociações, há alguma razão para acreditar no desbloqueio da Rodada de Doha? Está muito travada, e há muito tempo.
Muito, e há muito tempo. É um processo que não tem solução óbvia e que precisa ser discutido de forma séria, engajada, com confiança entre os membros e com confiança no diretor-geral. O diretor-geral tem que ter a confiança dos membros nesta tentativa de reanimar a rodada. É um projeto fácil? Não, não é um projeto fácil. É um projeto complexo? Sim, é um projeto muito complexo. É um projeto possível? Sim, é um projeto possível. Mas não é óbvio.

O momento de crise não dificulta a retomada da rodada?
Eu não acredito nesta teoria de nós esperarmos por momentos adequados, por condições favoráveis no cenário internacional. Quando a economia vinha crescendo, portanto antes da crise de 2008, as negociações não avançavam já então. Não avançavam mesmo com a economia muito bem, em expansão. Um dos argumentos para justificar o impasse era o de que estavam todos muito bem, todos ganhando muito dinheiro com suas exportações, então não tinha incentivo para finalizar a rodada. Já estávamos bem mesmo, por que precisaríamos de um esforço para finalizar a rodada? No momento em que a economia inverteu, e que portanto nós chegamos a uma situação bem mais difícil e complicada, o argumento também se inverteu. “Ah, agora não dá para fazer porque ficou difícil demais. Os países não têm incentivos para abrir os seus mercados. A liberalização agora é muito mais custosa do que antes”, etc. Então, não tem saída: se está bom, não tem incentivo; e se está ruim, não dá para fazer. Assim, jamais teremos negociações. Não foi por causa da situação econômica que a negociação não avançou. Estes impasses têm de ser vistos independente da situação econômica global,

Podemos dizer que essa é, portanto, uma das suas prioridades em uma eventual direção-geral da OMC?
Eu acho que se nós não desbloquearmos o pilar negociador da OMC, a organização vai cada vez mais se enrijecendo, perdendo sua relevância e sua efetividade no cenário internacional.

Como o senhor pretende favorecer os países em desenvolvimento através da OMC?
Fazendo com que eles participem das negociações, em todas as suas etapas, escutando as posições deles, sendo sensíveis a elas e favorecendo uma negociação que leve em consideração os interesses dos países em desenvolvimento.

Entre os candidatos, qual o senhor vê como o oponente mais forte?
(risos) O concorrente mais forte é aquele que os membros acharem que é o mais indicado para ocupar aquela posição.

Essa primeira etapa da escolha do diretor-geral é conhecida como “Miss Simpatia”. Normalmente, é difícil concorrer com brasileiro neste quesito, não?
Eu não sei. Minha mãe dizia que eu, quando eu era pequeno, eu era muito antipático (risos). Então eu não sei dizer qual é o meu grau de simpatia, mas de uma maneira geral o meu dialogo é bom com os membros.

O senhor tem uma boa relação com os colegas?
Em geral, sim. E reconhecemos os esforços que cada um faz e as tentativas de todos e de cada um de tentar desbloquear as negociações e buscar os avanços. Acho que eles reconhecem que eu tenho este espírito também e que, se possível, serei capaz de ajudar. Neste aspecto, eu acho que a candidatura vai bem.

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