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Argentina vai evitar novo calote com “empréstimo-ponte” após confirmação de acordo com o FMI

O Fundo Monetário Internacional (FMI) confirmou ter alcançado um acordo técnico com a Argentina, que libera os desembolsos previstos para junho e setembro, desobstruindo o período eleitoral de novas revisões. O desembolso seguinte vai acontecer em novembro, quando o país já terá um novo presidente eleito, que poderá participar de negociações a médio prazo.

O ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa
O ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa © REUTERS / MATIAS BAGLIETTO
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O FMI confirmou ter alcançado um novo acordo técnico (staff level agreement) com a Argentina, que permitirá ao país receber US$ 7,5 bilhões (cerca de R$ 36 bilhões), destinados a pagar a dívida com o próprio organismo multilateral de crédito.

O montante, no entanto, só chegará ao país em meados do mês, após a aprovação final da Diretoria Executiva que entra em recesso até 15 de agosto. Diante dos vencimentos de US$ 3,5 bilhões de segunda e terça-feira, para os quais a Argentina não tem mais dinheiro, o governo vai usar um “empréstimo-ponte” com outros organismos de crédito.

“É a conclusão do trabalho técnico que tínhamos antecipado no domingo e que nos permite atravessar esta segunda parte do ano, marcada pelo período eleitoral, que gera incertezas e dúvidas, com muito mais tranquilidade. Para nós, é uma boa notícia. Negociar permanentemente com o FMI não é agradável”, celebrou o ministro da Economia, Sergio Massa, candidato à presidência, apesar de uma gestão econômica que acumula 115,6% de inflação.

Em plena corrida eleitoral, Massa aproveitou para acusar a oposição como culpada por ter contraído uma dívida de US$ 44 bilhões (R$ 208 bilhões) com o FMI em 2018, enquanto a oposição acusa o governo da então presidente Cristina Kirchner (2007-2015), atual vice-presidente, de ter deixado o país com os cofres vazios.

As eleições gerais na Argentina vão acontecer em 22 de outubro (primeiro turno) e 19 de novembro (segundo turno), mas no próximo dia 13 de agosto haverá eleições primárias que, na Argentina, são obrigatórias e abertas a toda a população.

Contorno de um novo calote

A Argentina tem dois vencimentos com o próprio FMI na segunda e na terça-feira da próxima semana no valor total de US$ 3,5 bilhões. Como o organismo entra em recesso até o próximo dia 15, o governo argentino vai usar uma estratégia criativa para pagar ao FMI, mesmo sem ter dinheiro após as reservas líquidas e disponíveis do Banco Central terem atingido o nível de US$ 8 bilhões (R$ 37 bilhões) negativos.

O Ministério da Economia da Argentina divulgou nesta sexta-feira (28) que o país obterá o dinheiro por meio de empréstimos transitórios com outros organismos multilaterais, como a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe. Essa ajuda, pedida pelo ministro Sergio Massa na quinta-feira (27), seria de US$ 1 bilhão e teria como garantia os próprios créditos do FMI que devem chegar dentro de três semanas.

Outra fonte de empréstimo, não confirmada pelo Ministério, poderá ser um crédito de contingência vigente com a China do qual restam, em yuan, o equivalente a US$ 1,3 bilhão (R$ 6 bilhões), após pagamento, em junho, de outro vencimento da Argentina com o FMI.

O acordo fechado em março de 2022 entre a Argentina e o Fundo Monetário Internacional consiste em receber o dinheiro necessário para pagar ao próprio FMI.

Como o organismo não reestrutura a sua dívida e como a Argentina não tinha como pagar o que devia, o FMI concedeu um novo crédito, equivalente à dívida anterior, mas com novos prazos prolongados de pagamento. Esse novo crédito é transferido ao país na mesma proporção das parcelas que a Argentina deve pagar ao FMI, trocando, assim, dívida velha de curto prazo por dívida nova de médio prazo.

Como condição, a economia argentina precisa passar por revisões trimestrais. O problema é que desde março, o país deixou de cumprir todas as metas com o FMI, alegando ter sido afetado por uma seca histórica que afetou o equivalente a US$ 20 bilhões (R$ 94 bilhões) em exportações agrícolas, principal motor da economia argentina.

Alívio na corrida eleitoral

Em abril, a Argentina e o FMI iniciaram negociações, que tendem a estabelecer novas metas. Apesar de o ministro Sergio Massa anunciar, em 22 de junho, que o acordo seria fechado “dentro de algumas horinhas”, as negociações intrincadas avançaram por outro mês até esta semana de julho. A extensão da negociação provocou tensões nos mercados e desvalorização cambial.

“O acordo unifica as revisões trimestrais passadas de junho e as próximas de setembro. Isso libera da corrida eleitoral o ruído financeiro que significaria negociações paralelas com o FMI, quando um dos candidatos é justamente o ministro da Economia, Sergio Massa. É um ponto de estabilidade no meio de uma campanha acirrada. Essa estabilidade, obviamente, interessava a quem é ministro e também candidato porque o que acontecer de mal à economia terá como algo político o candidato-ministro”, explica à RFI o analista político Lucas Romero, da consultoria Synopsis. Na Argentina, ser candidato e ministro não é incompatível.

Acordo tenta conter gasto público durante corrida eleitoral

O acordo, cujos detalhes só serão conhecidos depois da formalização por parte da Diretoria Executiva do FMI, aponta para novas metas de financiamento monetário do Tesouro e de acúmulo de Reservas Internacional do Banco Central. A meta de déficit fiscal primário se mantém em 1,9%.

Para liberar o crédito, mesmo sem o cumprimento das metas anteriores, o FMI vai conceder as chamadas “waivers” (dispensas), dando razão ao argumento argentino de menor arrecadação por efeito da seca, mas também com puxões de orelha ao governo.

“A situação econômica da Argentina tornou-se desafiante, dado o impacto maior do que o previsto da seca que afetou significativamente as exportações e a receita fiscal. Mas também houve desvios e atrasos (na implementação) de políticas”, apontou o chefe da missão para a Argentina, Luis Cubeddu, por meio de uma nota do FMI.

Essas políticas passam por “conter o aumento da massa salarial, atualizar (aumentar) tarifas de energia e reforçar o controle do gasto, por intermédio de uma assistência social mais focada”.

A nova meta de acúmulo de reservas caiu de US$ 8 bilhões a apenas US$ 1 bilhão, revelando que o próximo governo vai assumir sem nenhuma margem de reservas.

Para o cumprimento das novas metas, o FMI vai exigir “um maior endurecimento da política fiscal durante o segundo semestre”, por meio de uma série de medidas para reforçar a arrecadação e para controlar o gasto público, mas “protegendo os programas sociais e os gastos prioritários em infraestrutura”.

Segundo Cubeddu, na nota do FMI, “o governo se comprometeu a aplicar firmemente o pacote de políticas nas próximas semanas e nos próximos meses”.

“Resta saber se o ministro Sergio Massa vai mesmo conter o gasto durante os próximos meses de campanha, sem fazer uso de um instrumento recorrente da política peronista de distribuir dinheiro para aumentar as chances eleitorais. Talvez o compromisso imponha o uso da criatividade para cumprir com o FMI sem abrir mão desse recurso governista”, disse à RFI o analista político Sergio Berensztein.

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