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'Brexit africano': Mali, Burkina Faso e Níger deixam CEDEAO e desestabilizam região

Ao decidirem se retirar da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), os regimes militares de Mali, Burkina Faso e Níger, que sofreram recentemente golpes de Estado, correm o risco de comprometer a liberdade de movimento dentro do continente africano e adiar o retorno dos civis ao poder.

Reunião extraordinária da Cedeao em Acra, Gana, em 17 de agosto de 2023.
Reunião extraordinária da Cedeao em Acra, Gana, em 17 de agosto de 2023. AFP - GERARD NARTEY
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A CEDEAO, organização econômica regional de 15 países, se opôs aos golpes de Estado que sucessivamente levaram os militares ao poder no Mali, Burkina Faso e Níger, impondo pesadas sanções econômicas ao Níger e ao Mali.

Em agosto, a organização chegou ao ponto de ameaçar de intervenção militar o Níger para restaurar a ordem constitucional e libertar o presidente derrubado, Mohamed Bazoum.

O diálogo foi praticamente interrompido entre a organização e os regimes de Bamako, Uagadugu e Niamey, que criaram a Aliança dos Estados do Sahel (AES) e acusam seus vizinhos de agir sob a influência de "potências estrangeiras", principalmente a França, antiga potência colonial da região.   

Em teoria, eleições foram programadas para Mali e Burkina Faso em 2024, para garantir o retorno ao governo civil, um pré-requisito para que a CEDEAO suspenda suas sanções e reintegre esses países em seus órgãos de tomada de decisão.

A desculpa do jihadismo para continuar no poder

Mas os partidários dos regimes militares querem estender a duração das transições a governos civis, alegando que lutam contra o jihadismo. O novo homem forte do Níger, general Abourahamane Tiani, ainda não anunciou um cronograma de transição.

"Os Estados da ESA anteciparam um debate que estava por vir, o do fim das transições. A retirada da CEDEAO parece ter colocado essa questão em segundo plano", diz Fahiraman Rodrigue Koné, especialista na região do Sahel do Instituto de Estudos de Segurança (ISS).

"Bem instalados em seus palácios e desfrutando das delícias do poder, eles (os líderes dos países da ESA) querem permanecer em suas cadeiras presidenciais para sempre", critica Le Patriote, o jornal do partido no poder na Costa do Marfim.

A CEDEAO garante aos cidadãos dos países membros o direito de viajar sem visto e de se estabelecer nos mesmos para trabalhar ou residir. O anúncio da saída de Burkina Faso, Níger e do Mali está causando preocupação entre centenas de milhares de cidadãos desses países.

Os três Estados do Sahel sem litoral e seus principais parceiros econômicos costeiros, como o Senegal e a Costa do Marfim, são, no entanto, membros da União Econômica e Monetária da África Ocidental (UEMOA, com 8 países), que também garante, em princípio, "liberdade de movimento e residência" para os cidadãos da África Ocidental, bem como liberação alfandegária para determinados produtos e harmonização de tarifas e padrões, seguindo o exemplo da CEDEAO.

As consequências de uma retirada poderiam ser mais marcantes nas fronteiras do Níger e da Nigéria, países que não pertencem à UEMOA. A Nigéria, gigante econômico da África Ocidental, responde por mais da metade do PIB da organização e é o principal parceiro econômico do Níger na região.

No entanto, a fronteira de 1.500 km que separa os dois estados é mal controlada e propensa a ataques de grupos armados. Uma proporção significativa dos fluxos de recursos foge dos controles alfandegários.

"Você não pode separar Sokoto (norte da Nigéria) de Konni (Níger), eles são o mesmo povo", diz Chaïbou Tchiombiano, secretário-geral do Sindicato dos Comerciantes e Atacadistas de Importação-Exportação do Níger.

Retirada "sem demora"   

Os regimes de Mali, Burkina e Níger anunciaram sua retirada "sem demora", mas os textos legais estipulam que uma solicitação deve ser apresentada por escrito com um ano de antecedência. A CEDEAO disse que ainda não havia recebido nenhuma notificação desse tipo.

"Legalmente, a retirada sem demora não é possível. Esses Estados terão que encontrar alguma forma de acordo, e as negociações terão como objetivo encontrar maneiras de realizar essa retirada gradualmente", diz Fahiraman Rodrigue Koné.

À medida que os grupos jihadistas avançam no Sahel e nas fronteiras dos Estados costeiros, "a região está se tornando fragmentada e sujeita a uma maior competição geoestratégica, o que não é uma boa notícia para a estabilidade", alerta o pesquisador.

As críticas ferozes feitas por esses regimes e seus apoiadores contra o franco CFA, a moeda comum dos países membros da UEMOA, também podem levar os países da nova aliança dissidente - a ESA - a deixar essa organização e a desistir da livre circulação de bens e pessoas, enquanto se aguarda o surgimento de uma área de livre comércio continental africana, ainda em fase de planejamento.

(Com AFP)

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